NOVO VOLUME DOS ENSAIOS REUNIDOS,
DE OTTO MARIA CARPEAUX, COMPREENDE 205 ARTIGOS DE JORNAL INÉDITOS
EM LIVRO
Luís Antônio Giron
Ensaios Reunidos: 1946-1971 - Volume II,
do crítico Otto Maria Carpeaux (1900-1978), chega às
livrarias depois de dois anos de trabalho de restauração
e organização da jornalista Christine Ajuz. O resultado
é portentoso e tão ou mais importante que o primeiro
volume, de 1999, que trazia os ensaios reunidos em livros por Carpeaux.
Pela primeira vez são enfeixados artigos dispersos que se
encontravam no arquivo do intelectual em estado precário,
com folhas rasgadas e passagens ilegíveis. O volume colabora
na redenção de um dos faróis do conhecimento
no Brasil do século passado.
Ironicamente, poucos intelectuais brasileiros
amargaram tanto esquecimento pela posteridade e injustiça
de seus contemporâneos quanto Carpeaux. Seu nome raramente
consta das enciclopédias de literatura brasileira, embora
tenha se dedicado a ela e a ampliar os horizontes do saber estético
brasileiro. No fim da vida, fora da imprensa diária - para
a qual havia escrito durante 30 anos -, Carpeaux redigiu verbetes.
Era conhecido como enciclopédia viva e militante político.
Mas poucas obras de referência lembram seu nome.
O estigma do silêncio em torno dele iniciou-se
em 1943, pouco depois de se estabelecer na capital brasileira. Intelectuais
"progressistas" (de esquerda) assinaram um manifesto de
repúdio a Carpeaux, acusando-o de colaborador dos nazistas.
Motivo: ele havia feito um obituário do escritor Romain Rolland
- que julgava ser (com razão) mau romancista. Como Rolland
era um ídolo da esquerda e Carpeaux um mero "alemão
fugido", a resposta resultou dura. Entre os signatários
do documento, estavam Mário e Oswald de Andrade e Carlos
Lacerda. Havia muito de xenofobia, preconceito e inveja de um erudito
com formação muito superior à dos confusos
luminares tropicais. O golpe foi injusto contra quem fugira do regime
nazista, tinha pai judeu e havia se naturalizado brasileiro. Para
se adequar ao ambiente francófilo, afrancesou o nome. Chamava-se
Otto Karpfen, nome que, pensava, jamais emplacaria entre a intelligentsia
local, que, na maioria, repudiava Hitler e alemães.
Karpfen odiava o nazismo. Ele e sua mulher, a
cantora lírica Helena, vienenses, desembarcaram em 1939 com
uma bagagem de livros raros e um pedido de asilo do papa Pio XII
ao intelectual católico Alceu Amoroso Lima, que o acolheu.
Karpfen vinha com doutorados em Filosofia, Letras, Física
e Química pela Universidade de Viena - e a Viena fin-de-siècle
e de Wittgenstein, capital da vanguarda da Europa, que acabava de
capitular à barbárie hitlerista. Alceu lhe arrumou
um emprego no Paraná. Em 1942, já atuava no Rio de
Janeiro. Dominando o português além de outras 14 línguas
-, trabalhou como colunista do Diário Carioca. Gago
e nervoso, os cariocas logo o apelidaram de "gagogênio"
- inspirados no gasogênio, o combustível dos tempos
de racionamento de gasolina. Pela gagueira ou pela marca de estrangeiro,
Carpeaux jamais lecionou em universidades brasileiras. Sua produção
jornalística, no entanto, foi portentosa.
Os 205 artigos do volume foram estampados entre
1946 e 1969 nos suplementos de jornais como A Manhã,
O Jornal e O Estado de S. Paulo. Completam o livro
três prefácios, para obras de Manuel Bandeira, Goethe
(1948) e Hemingway (1971). Os temas são múltiplos:
o fim da História, ficção científica,
Canudos, Verlaine, a pintura, Van Gogh, Mozart e Gramsci. Em 1960,
já discutia a morte das vanguardas. "Ao terminar a leitura,
você sente que alguma coisa mudou em sua vida", diz a
organizadora, que anuncia um terceiro volume para julho. Na realidade,
Carpeaux poucas vezes foi igualado no Brasil em sabedoria e erudição.
Cada um de seus artigos contém uma lição de
humanismo, arte e estilo. Naquele tempo, o "alemão"
escrevia melhor que muito brasileiro.
Revista ÉPOCA
26/12/2005
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Sinopse
/ coluna de Daniel Piza
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