OBRA ORIGINAL VASCULHA A LINGUAGEM
Alécio Cunha
Pedro Maciel é tipo raro de escritor,
que curte a urdidura da palavra, o embate entre letras e sons, o
desenho do vocábulo na página, a alquimia da expressão.
Sujeito intenso, afeito ao verbo, tantas vezes incompreendido, refugia-se
na escrita, não o calabouço distante da vida, mas
a solidão necessária ao espelhamento do ser.
Ali, na casa da rua Groenlândia, no Bairro
Sion, escreveu as páginas do livro A Hora dos Náufragos,
lançado em 2006 pela editora Bertrand Brasil. Aos poucos,
Pedro Maciel deixou de ser jornalista, deixou de ser poeta (aparentemente,
já que a tentação de um lirismo visceral assombra
os interstícios de seus textos). Agora, ele lança
Como deixei de ser Deus, trabalho de difícil definição,
quase um romance-escafandro, penetrando na medula da construção
textual em uma narrativa híbrida onde nem sempre o poético
e o filosófico coincidem, e o histórico, o antropológico
e o religioso dialogam de maneira absolutamente fecunda.
Publicado pela editora carioca Topbooks, o livro
chega repleto de elogios de nomes como Luis Fernando Veríssimo,
Moacyr Scliar, Antonio Cícero e Ivo Barroso. Pedro Maciel
não é lá muito chegado a tecer comentários
sobre a própria obra. Falsa modéstia? Presunção?
O autor assume o paradoxo desta interrogação e a resposta
pode ser simultaneamente afirmativa e negativa. “Meu livro
é o que ele é, não sou eu que devo falar sobre
ele. A obra já diz tudo”, afirma o autor.
E prossegue: “Quantos dos meus leitores
percebem que estes escritos podem ser entendidos da forma que desejar?”
Antonio Cícero, no posfácio, responde: “os verdadeiros
leitores. Cada um deles irá, sem dúvida, questionar
por si próprio cada fragmento: perguntar-se se ele é
verdadeiro; em que medida; de que modo se articula com os demais;
a que outros textos alude; quais são as consequências
que dele derivam, etc.; e o mesmo fará no que diz respeito
ao livro como um todo. É justamente a intensa capacidade
de instigar a sensibilidade, o pensamento e a imaginação
que constituiu um dos maiores encantos de Como deixei de ser
Deus”.
O autor não discorda que o seu trabalho
pode ser comparado a um Bildungsroman (ou romance de formação).
“O leitor vai ouvir ecos de outros tempos e origens em meu
romance, mas o esqueleto narrativo é muito contemporâneo.
Eu sou muito do meu tempo. Busco a originalidade. Alguém
já disse que para ser original é preciso voltar às
origens”.
O livro ecoa pulsações distintas
que trazem a lume, em superfícies nem sempre equânimes,
matizes de autores como Samuel Beckett, E. M. Cioran, Nietzsche,
Guimarães Rosa, Machado de Assis, Fiódor Dostoiévski
e, claro, Marcel Proust (a obra pode ser a autobiografia de Pedro
Maciel, assim como seu palimpsesto em diálogo e tensão
com outros universos, inclusive dimensões extraliterárias,
a partir da deriva entre ciência e arte).
“Metafísica é recordar o
mundo. Física é lembrar do mundo o tempo todo”,
comenta o autor. “Meu objetivo, com este livro, é comover.
Ainda resta algo mais importante do que a emoção?“,
indaga Maciel. “O mundo encontra-se em permanente movimento.
As condições climáticas estão se deteriorando
rapidamente. O homem julga a natureza absurda, ou misteriosa,
ou madrasta mas a natureza não existe a não ser pelo
homem... Tudo é temporário. Não dê
ouvidos aos adivinhos. Não há um mundo a descobrir.
O mundo já está descoberto. (...) esse mundo parece-me
não ser meu mundo”, escreve o autor no prólogo
da obra.
No lançamento (em Belo Horizonte) os atores
Rodolfo Vaz e Inês Peixoto, do Grupo Galpão, interpretarão
fragmentos do livro. Será uma ótima oportunidade para
conferir a potencialidade oral dos textos de Pedro Maciel, no limite
entre o cérebro e a garganta. Expressar é preciso.
jornal HOJE EM DIA
Belo Horizonte
24/08/2009
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