LEITURA 1. ANTONIO CARLOS SECCHIN - DESDIZER
Marcio Catunda*
No seu extraordinário livro Desdizer, Antonio Carlos Secchin refuta, em tom iconoclasta e com bastante ironia, as verdades tradicionais da arte poética. Ora brinca e ri da própria teoria do poema; ora combate, com incisiva irreverência, o dogma da lógica transparente da poesia.
Visita o Colóquio dos teóricos que pontificam, ri de um velho Homero de província. Em “Um depoimento”, ressalta que o ofício do poeta é um entrar "na contramão do que o bom senso lhe ensina". É ser um "operário do precário". Poetar é catar no verão os restos da incerteza. “No meu sonho aparece uma pessoa/ que cata no lixo os restos que eu vivi” (Soneto Desmemoriado).
O poema lhe revela a certeza de que o fogo termina em cinza, no contexto do imprevisível que caracteriza a vida. “Talvez o verão tenha queimado os frutos./As mãos, ressequidas, apenas reconhecem restos” (Cinzas, p. 36).
É com esses despojos que o poeta ergue a catedral herética dos seus versos. E, no envio desse impasse do perecível, ele abre a janela da metafísica implícita no metapoema. Se, em sua lavoura de signos, o inesperado tece a trama do desengano, resta ao poeta augurar “que a cinza do sonho desfeito/adube de vida o que é morto/e transforme o jamais em agora” (Poema para 2003).
Nessa admirável depuração de poesia, o poeta, viajante nos meandros da experiência humana, abre o leque da compreensão: "a poesia é o lugar onde tudo pode ser dito" (ou desdito). Leia-se o título do livro.
Ao formular seus teoremas à luz dos planos da linguagem, Secchin testifica a sua transgressão abrangente, que vai da blasfêmia ao riso e ultrapassa “um Antônio antônimo” de Secchin.
Publicado em 12/03/2018 no Facebook: https://www.facebook.com/marcio.catunda1/posts/1867980873215217
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