O POETA ANTONIO VENTURA
Carlos Nejar*
Morreu um poeta que tinha bondade de água que corre no monte; íntegro, generoso. Tinha ventura no nome e foi, sim, venturoso de poemas. Seu último livro, “A Educação pelo Abismo”, já era silenciosa preparação para a morte. Apresentei seu livro, fui a todos os seus lançamentos, que pude, no Rio de Janeiro; eu morava em Vitória, e ele agora mora em Deus.
A tristeza de quando se vai um poeta é maior do que a dor de uma árvore que tomba, ou de um jardim devastado. Como se até o tempo não fosse um jardim suficiente para o fulgor da palavra e o tempo humano, sim, é pequeno e a palavra infinita.
Débora, também poeta, e três filhos choram por ele, que foi juiz e se aposentou quando atacado de enfermidade, o câncer que lhe roeu a existência. Era de Ribeirão Preto. Morreu na última quinta-feira, dia 29 de junho do corrente, num hospital da capital paulista.
Visitou-me na “Casa do Vento”, da Urca, e quando saiu, em S. Paulo, “O feroz círculo do homem”, nos reunimos. Chamava-me de “pai”, como se eu o fosse, e pedia a bênção – sendo, leitores, que nada tenho que seja meu, nem o ar que respiro, nem o universo que me cerca. Somos transeuntes, mordomos do que passa. Nem o vento nos reconhece, porque vem desde o princípio do mundo. Talvez lhe tenha sido pai, sim, com os ouvidos do coração.
A última notícia que tive é de que teria de operar a traqueia, pois ficara sem voz. Inda que como poeta nunca restaria sem fala, a voz que se educava na metáfora, a voz que se junta agora à eternidade. Começou como “Catador de palavras” e concluiu sua cantata terrestre com “A Educação pelo Abismo”.
E descobriu, com felicidade inventiva, no “Soneto Original” o paraíso – chave de ouro da décima quarta (casa), chave de ouro da Poesia, onde descansa. Pois “a vida não vive” – frase de um pensador alemão. A vida vive de não viver. Vive de saber que a semente da palavra prospera. E, se a morte depende da vida, há uma vida que não depende da morte.
@Carlos Nejar é escritor (da Academia Brasileira de Letras). |