LUÍS DE GUSMÃO CONTRA A
HYBRIS TEÓRICA
GUSMÃO, Luis de. O fetichismo do conceito.
Limites do conhecimento teórico na investigação
social. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012, 258pp.
Sérgio da Mata
Departamento de História da UFOP
Palavras-chave: Ciências Sociais, História, Explicação
Histórica
Esse bagulho (Stoff) 'bateu' [...].
Nos anos sessenta o número de dependentes aumentou assustadoramente.
De início, o bagulho circulou em pequenos grupos, depois
passou a ser comercializado em grandes quantidades, principalmente
nas universidades. Era tomado por via extravenosa - através
de puro trabalho conceitual, através de exercícios
de leitura. Os efeitos não traziam qualquer risco. A droga
se chamava teoria. (RAULFF; SCHLACK 2012, p. 4)
Assim abriu a prestigiosa Revista para História das Ideias
um de seus últimos editoriais. O mundo dá voltas,
e como: num ensaio originalmente publicado em 1972, Reinhart Koselleck
(1977) se levantava contra a "indigência teórica"
dos estudos históricos. Já hoje, multiplicam-se os
sinais, aqui e ali, de cansaço ante a hybris teórica.
Não diria tanto que se trata de uma hipocondria teórica,
semelhante à hipocondria epistemológica diagnosticada
por Clifford Geertz algumas décadas atrás. Mas talvez
chegue perto. Mesmo no campo dos estudos literários aumenta
número daqueles que abdicam das ilusões do teoricismo
(PATAI; CORRAL 2005).
Um historiador estrangeiro, em recente visita
a nosso país, perguntava: "Por que todos aqui parecem
tão preocupados com teoria?". Numa revista como esta,
que tornou-se o principal fórum de reflexão sobre
a história da historiografia e a teoria da história
em nosso país, a discussão sobre os limites da teoria
não tem como ser evitada. Seria dar as costas aos "sinais
dos tempos".
O livro do sociólogo Luis de Gusmão
presta-se, como nenhum outro disponível em nosso mercado
editorial, a esta tarefa - quanto mais porque ele é também
a expressão mais visível de uma nova atitude das ciências
sociais em relação à ciência histórica.
Atitude pautada por uma vontade sincera de diálogo; algo
que, seja dito, não existia até bem pouco tempo. Estamos
inclinados a ver em O fetichismo do conceito um caso exemplar
daquele um gênero que, em outras plagas, foi batizado de antissociologia.
Gusmão se encontra numa situação similar à
de autores como Helmut Schelsky e Friedrich Tenbruck, os mais conhecidos
antissociólogos produzidos pela tradição sociológica
alemã. Trata-se de um gênero kamikase, onde a desmistificação
das pretensões desmedidas da própria disciplina se
confunde com a crítica dos intelectuais, e no qual a afinidade
em relação ao pensamento histórico é
inegável. Até onde pude perceber, participando de
um ou outro debate, conversando com um ou outro colega, a reação
ao livro de Gusmão entre os sociólogos brasileiros
foi de uma discreta simpatia, mais que de rejeição.
Isso valerá também para os historiadores?
Quando da publicação da primeira edição
- que se esgotou rapidamente - deu-se uma acalorada discussão
a seu respeito nas "redes sociais". Como sempre, entre
nós, as polêmicas em torno de uma obra são mais
intensas quando ninguém teve ainda ensejo de ler o livro.
Esta resenha é resultado de minha tentativa de submeter as
críticas de Gusmão, duras muitas delas, a um escrutínio
mais cuidadoso e sereno.
Primeira constatação: a sociologia
de Gusmão não padece deste pecado típico da
juventude, a arrogância (e isso talvez descreva com relativa
precisão a atitude das disciplinas mais novas ante as mais
velhas). Desde princípios do século passado, passou-se
a acreditar que esta vetusta senhora, a história, nada tinha
a ensinar às nascentes ciências sociais. Não:
ela, a história, é quem deveria aprender com as novas
ciências do homem. Praesens tempus magister vitae et historiae...
Mas em Gusmão, felizmente, não se vê nada disso.
Alguma confusão pode ser suscitada pelo
título escolhido por Gusmão. O fetichismo da teoria
certamente seria mais adequado. De toda forma, tudo está
dito no sub-título, e para o qual o leitor deverá
estar atento: Limites do conhecimento teórico na investigação
social. O que Gusmão nos propõe é colocar
em questão as ilusões do "teoricismo". Em
certo sentido, ele escreve o livro que Thompson verdadeiramente
deveria ter escrito em seu A miséria da teoria. Depois de
tomar de assalto as ciências sociais pelo menos desde meados
do século passado, o teoricismo adquiriu, gradativamente,
o estatuto de atitude intelectual dominante. Diante disso, trata-se,
acredita Gusmão, de reabilitar a importância das "investigações
sociais conteudísticas" (p. 127-137). E, inclusive,
de defender o emprego da "terminologia vulgar" ante as
pretensões do "jargão técnico" (p.
50).
Antes de ceder à tentação
de desqualificar tais críticas recorrendo a este termo inapelável
(posto que vago, e quanto mais vago mais inapelável), o de
"positivismo", proponho ao leitor acompanhar os argumentos
e a exposição de Gusmão. O teoricismo estaria
caracterizado, por exemplo, na "apresentação
quase ritual de credenciais teóricas" (p. 21). Ninguém
há de negar que a carteirada teórica é o pão
nosso de cada dia nas humanidades hoje. Basta pensar ainda no famoso
"capítulo teórico" de nossas dissertações
e teses universitárias (o autor desta resenha receia ter
de admitir que não foi capaz fugir à regra). O automatismo
em torno das "premissas teóricas" levou-nos a um
ponto tal em que não mais se sabe onde termina o esforço
analítico e onde começa a mera observância das
rígidas regras de composição do texto acadêmico;
onde termina a teoria e onde começa a retórica. As
analogias estruturais entre teoria e retórica, de resto,
há muito foram postas às claras por Hans Blumenberg.
A retórica, como a teoria, é tudo o que resta "aquém
da evidência". Sendo o efeito retórico a alternativa
"à evidência que não se pode, ou ainda
não se pode obter, pelo menos aqui e agora" (BLUMENBERG
2001, p. 411-412), fica claro por quê o "capítulo
teórico", via de regra, é posto na abertura dos
trabalhos acadêmicos. Cumpre-se uma obrigação
e, então, finalmente se pode passar ao que interessa. Se
o leitor e o próprio autor do trabalho ainda se lembram das
premissas teóricas assumidas lá no início,
já é outra história.
Gusmão entende que faríamos melhor
em deixar de lado a parafernália dos modelos e o jargão
teoricista, pois "a leitura mais atenta, mais exaustiva dos
grandes teóricos sociais [...] não transforma, como
num passe de mágica, pessoas intelectualmente acanhadas em
indivíduos de espírito" (p. 45). Significa assim
colocar em campo, subrepticiamente, uma noção tornada
politicamente incorreta hoje em dia, mas que o nosso cotidiano não
se cansa de evocar e confirmar: a de talento. Talento, esse imponderável
da vida, é sem dúvida mais decisivo que a teoria.
O elogio que Gusmão faz da obra historiográfica
de Tocqueville (p. 93-94) expressa a sua rebelião contra
as ilusões holísticas de autores como Marx, Bourdieu,
Luhmann e tantos outros. O que propriamente atua ali são
as "classes", os "campos" ou os "sistemas",
enquanto que os indivíduos não passam de peões
no grande tabuleiro das teorias sociais de longo alcance. Ao usuário
de tais esquemas teóricos resta uma única e pequena
satisfação: a de encaixar as peças no tabuleiro
- algo que Arnold Gehlen ironizava com a expressão Erfüllungsglück.
A reabilitação ora em curso de estratégias
individualizantes de pesquisa, inclusive no campo da sociologia
qualitativa e da história das ideias, é atestada pelo
recente livro de Dieter Heinrich (2011) sobre a lógica e
a história dos grandes insights filosóficos. É
precisamente nesse espírito que Gusmão fala no "risco
de negligenciarmos o papel do indivíduo na vida social"
(p. 156). Tendo sido, desde sempre, a ciência do individual,
do singular, é apenas natural que para ele a história
se torne um interlocutor privilegiado na crítica ao teoricismo
e às ilusões holísticas.
Que qualidades fazem o grande historiador, ou
o grande estudioso da conditio humana? Para Gusmão
bastaria um forte senso de honestidade intelectual e acuidade de
visão para que as ciências sociais e a história
sejam capazes de levar adiante sua tarefa de interpretar/explicar
a realidade. É como se tudo se resumisse a uma questão
de vocação, por um lado, e de bom senso, por outro
(talvez devesse ainda acrescentar: de amor à verdade). Bastaria,
numa palavra, recorrer ao que Gusmão chama de "senso
comum".
Mas o que vem a ser tal coisa? Gusmão
não enfrenta a questão. Ele apenas nos mostra como
grandes escritores (Stendhal, Flaubert, Eça de Queirós,
etc.) foram perfeitamente capazes de descrever e dar explicações
adequadas para uma infinidade de questões unicamente à
base do "senso comum" (cf. p. 100). Ao mesmo tempo, porém,
Gusmão critica duramente todo aquele que desrespeita o imperativo
da neutralidade axiológica. Censura Leon Tolstoi por seu
tom "moralista e doutrinário", por "confundir
sermão e realidade" (p. 40); enquanto que Georg Simmel
mais lhe parece um "filósofo moral travestido de sociólogo"
(p. 147).
Tal juízo está longe de fazer justiça
a Simmel. Fará também justiça a Tolstoi? Coloca-se,
antes, a questão: a literatura não estabelece ou se
baseia amplamente em juízos de valor?¹ Ademais,
há algo de demasiado ligeiro na ideia de que as obras daqueles
grandes romancistas expressaria o "senso comum". Diria
que Gusmão torna-se vítima do efeito-bumerangue do
próprio argumento. O fato de que se possam fetichizar conceitos
não significa que devamos abrir mão do conceito tout
court. O uso pouco elucidativo que faz da noção
de "senso comum" é prova disso. Veja-se, por exemplo,
sua crítica - que em larga medida partilhamos - à
fetichização das generalizações nas
ciências do homem. Gusmão defende, sadiamente, que
não estabeleçamos "uma ruptura epistemológica
com o universo intelectual do homem comum" (p. 54). Todavia,
a realização de um trabalho sistemático de
investigação por vezes exige que façamos exatamente
isso: que não tomemos por expressão de verdade expressões
do senso comum tais como "todo político rouba",
"o povo brasileiro é simpático", etc. Para
retomar o pensamento de um autor que Gusmão dá mostras
de apreciar, Alfred Schütz, pode-se dizer que a partir do instante
em que eu reflito sobre o alcançe, motivações
e consequências de minhas ações, não
mais me situo no âmbito do "senso comum". Eu me
desloco para uma outra região da consciência que não
aquela voltada para a paramount reality do mundo da vida
(onde tudo é aceito como não-problemático porque
sempre-foi-e-há-de-ser-assim). Adoto assim uma postura reflexiva,
em suma: teórica (SCHÜTZ 1973, p. 207-259). Trata-se,
aqui, mais de atitude teórica que de "teoria".
Theoria em seu sentido primevo: capacidade de ver e tornar
visível aquilo que, no automatismo das rotinas, fora naturalizado
e, precisamente por isso, tornado "invisível".
Theoria como sinônimo de reflexividade. A contrapelo,
se necessário for, da "teoria". Como expressão,
e para dizê-lo de forma concisa, de uma atitude de vigília:
"reflexão permanente", dizia Schelsky.
Ora, salvo engano, os "literatos de gênio"
(p. 43) que Gusmão nos propõe tomar como exemplo raramente
expressam ou reproduzem o "senso comum". Do contrário
dificilmente seriam literatos de gênio.² Por outro lado,
não deixa de ser legítimo que a nós outros,
seres humanos medianos, vez por outra seja facultado o direito ao
eventual uso das muletas conceituais, dos modelos, dos tipos ideais.
O recurso pouco esclarecedor ao termo "senso comum" em
O fetichismo do conceito não deixa de soar como uma
advertência nesse sentido.
Nas duas primeiras partes do seu livro, Gusmão
volta suas baterias contra o teoricismo, como já foi dito.
Na última parte, intitulada "Notas epistemológicas
sobre Sérgio Buarque de Holanda historiador" (p. 172-336),
ele aplica as premissas ali desenvolvidas à análise
de uma obra clássica de nossa historiografia. O argumento
central pode ser resumido em bem poucas palavras: à medida
em que se afasta de seu livro de estreia e amadurece como historiador,
Sérgio Buarque torna-se cada vez menos suscetível
à tentação do teoricismo. Seu famoso artigo
de 1974 sobre Ranke tende a confirmar esta leitura. O gradativo
esvaecimento do "sociologismo" (o termo é de Gusmão)
em suas obras caminha par e passo com uma redescoberta, mesmo revalorização,
do historicismo.
Gusmão percorre Raízes do Brasil,
Monções, Visão do paraíso
e Do Império à República à caça
daqueles momentos em que o historiador deixa trair um "sociologismo
confuso" (p. 201) ou que evidenciariam recaídas no "dedutivismo"
(p. 258). Sua crítica à metafísica buarquiana
do ethos do aventureiro (p. 242) são convincentes
e ecoam aquelas feitas por Jessé Souza (2000). É certo
que, ao se colocar esta tarefa, Gusmão não estava
obrigado a se familiarizar - visto que sua intenção
é de natureza estritamente epistemológica - com uma
vasta literatura produzida nas últimas décadas sobre
o mestre paulista. Por esta razão, o pesquisador interessado
em aprofundar-se no estudo dos livros de Sérgio Buarque extrairá
relativamente pouco das análises de Gusmão.
De toda sorte, não é pouco o que
Gusmão poderia ter ganho caso tivesse prestado maior atenção
às muitas investigações "conteudísticas"
que a respeito têm sido publicadas. Várias delas têm,
inclusive, relativizado cada vez mais a hipótese do weberianismo
latente de Raízes do Brasil. Onde Gusmão crê
identificar um excesso de ascendência do sociólogo
alemão em Monções (p. 262-263), se poderia
igualmente apostar (convém ser cuidadoso) numa ascendência
spengleriana. A passagem de Monções em que
se explora a conexão entre o uso de canoas e racionalização
do habitus sertanejo só aparentemente se baseiam em Weber.
Há aqui, provavelmente, muito maior influxo do estilo de
pensamento característico de O declínio do Ocidente.
Este não é o lugar para discutir a importância
que teve o grande nome da filosofia vitalista do entre-guerras sobre
Sérgio Buarque. O que cabe ressaltar é antes o fato
de que, neste ponto, a abertura do sociólogo Gusmão
face à historiografia não chega às últimas
consequências. Se no início de O fetichismo do conceito
a história surge um exemplo a ser seguido, ao fim ela se
torna objeto de dissecação, sem que, para isso, a
própria história tenha sido chamada a contribuir.
Fosse este o caso, Gusmão teria evitado formulações
como a da página 272, em que lamenta a "adesão
incondicional" de Sérgio Buarque "à tese
weberiana". Na verdade, Buarque aproximou-se relativamente
cedo de um dos primeiros grandes críticos da chamada tese
weberiana: Henri Hauser, de quem foi assistente na Universidade
do Rio de Janeiro.
A excessiva acribia com que Gusmão localiza
e critica longamente (p. 310-314) um suposto "paramarxismo"
em Buarque - pelo simples fato de fazer uso, inclusive com as devidas
ressalvas, do conceito de "classes médias" em Do
Império à República - é no mínimo
desproporcional. Desproporcional face à acuidade e liberdade
de pensamento ali expressas. Desproporcional, se pensarmos no emprego
infinitamente mais rígido e mecânico que, àquela
época, se costumava fazer dos conceitos marxistas. Desproporcional,
enfim e sobretudo, porque, como reconhece Gusmão, são
bem "raras" (p. 319) as evidências de "paramarxismo"
em Sérgio Buarque! Se os riscos do paramarxismo para a história
e para as ciências sociais são assim tão iminentes
como acredita Gusmão, bastaria o exemplo do próprio
Max Weber para matizar um pouco o furor anti-marxista de O fetichismo
do conceito. De Weber, Gusmão parece ter assimilado como
poucos o postulado da neutralidade axiológica; entretanto
Weber estava longe de demonstrar a mesma rejeição
pelo materialismo histórico. O estudo cuidadoso das primeiras
grandes publicações acadêmicas de Weber mostra
a que ponto ali se lança mão, de forma criativa e
nada subserviente, de inúmeros conceitos marxistas (MATA
2013). Mais: se de fato há um "projeto normativo"
em Raízes do Brasil, não se pode dizer que um estudo
clássico como A ética protestante e o espírito
do capitalismo estivesse inteiramente livre do que Gusmão
rejeita sob a expressão "preocupações
normativas tutelares" (p. 282). Tais preocupações,
a começar por Comte e Durkheim, nunca estivarem inteiramente
ausentes das ciências sociais.
A despeito das discordâncias expressas
acima, que balanço se pode fazer após a leitura de
O fetichismo do conceito?
Para mim, seria mais ou menos este: não
há como pensar a teoria e os excessos em teoria sem um esforço
de falar a partir de fora da teoria. E isso por meio de uma
epoché radical. Atualmente estamos menos necessitados
de uma "teoria crítica" que de uma crítica
da teoria. Ao tematizar as vantagens e desvantagens da teoria para
a vida, algo de que, como sublinhamos, cada vez mais pessoas se
dão conta, o antissociólogo Luis de Gusmão
vai ao ponto. A imprescindibilidade da teoria está posta
em questão. Com a palavra, os partidários (verdadeira
legião) do teoricismo.
Não concluo. Concluir soaria pretensioso.
Melhor recorrer a outro mestre, um mestre do filosofar-em-histórias,
e deleitar-se com esta sua pequena história crítica...
da teoria.
Os atenienses não inventaram
a filosofia, da qual pareciam estar orgulhosos. Em ambos os pólos
do mundo grego, na costa jônica da Ásia Menor e no
dórico sul da Itália, haviam nascido puras culturas
da teoria. Demonstraram ser totalmente incompatíveis.
Aí radicava a oportunidade dos atenienses
de se destacar, eliminando esta insuportável oposição:
a que se dá entre a teoria genética da natureza, dos
jônios, e a da lógica estática do Ser, de Eléia.
Sem dúvida, tinha de ser irreconhecível que se tratava
de um trabalho posterior sobre um resultado sem expectativas. Portanto,
teve de inventar um protofilósofo ático próprio.
Como ele não havia existido, pôde levar o nome mais
sensato, atendendo à fonte de sua inspiração.
Chamou-se Musaios.
Dele sabemos suficientemente pouco para não
inseri-lo na confusão das lutas entre as escolas. Mas sua
sentença mais respeitada, introduzida subrepticiamente na
tradição, é o destilado de uma teoria; como
se, por trás, houvesse um processo de otimização,
de redução ao essencial. Até os dias de hoje,
constitui a medida de uma teoria completa, como se se tivesse pressentido
seu alcance – o de uma cosmologia como representação
espaço-temporal completa do universo – capaz de a tudo
abranger.
A única e singular frase de Musaios
é: “Tudo provém da unidade e tudo voltará
à unidade”.
Mais não é preciso, e boa é
a teoria que não necessita de mais que isso: a dos neoplatônicos,
a dos cristãos e a dos modelos cosmológicos mais modernos,
entre o ovo originário e a implosão que prepara o
ovo seguinte. O mundo é sempre, apenas, o que existe no meio.
Não vale a pena falar dele. (BLUMENBERG 2003, p. 281-282)
¹ O Settembrini de
A montanha mágica não estava tão longe assim
de Tolstoi quando perguntava: "A arte é moral na medida
em que desperta. Mas o que sucede quando ela faz o contrário?".
A tentativa de depuração moral da literatura me parece
ainda menos factível que a da historiografia.
² Não evitarei esta palavra,
sobre a qual a última palavra ainda não foi dita.
Embora Gadamer tenha escrito que o século XIX assistira a
"apoteose" do gênio, Thomas Carlyle já acreditava
presenciar o seu ocaso (se subjaz uma deliciosa ironia a esse desacordo
entre duas mentes brilhantes, que não se a impute a mim).
Ver a história do conceito de "gênio" em
Joachim Ritter (1974).
Bibliografia
BLUMENBERG, Hans. Anthropologische Annährung
an die Aktualität der Rhetorik. In: Ästhetische und
metaphorologische Schriften. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2001,
p. 406-431.
BLUMENBERG, Hans. Conceptos en historias.
Madrid: Sintesis, 2003.
HEINRICH, Dieter. Werke im Werden. Über
die Genesis philosophischer Einsichten. München: C. H. Beck,
2011.
KOSELLECK, Reinhardt. Über die Theoriebedürftigkeit
der Geschichtswissenschaft. In: SCHIEDER, Theodor; GRÄUBIG,
Kurt (Hrsg.) Theorieprobleme der Geschichtswissenschaft.
Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1977, p. 37-59.
MATA, Sérgio da. A fascinação
weberiana. As origens da obra de Max Weber. Belo Horizonte:
Fino Traço, 2013.
PATAI, Daphne; CORRAL, Will (eds.) Theory's
Empire. An anthology of dissent. New York: Columbia University
Press, 2005.
RAULFF, Ulrich; SCHLACK, Stephan. Zum Thema.
Zeitschrift für Ideengeschichte, n. 4, p. 4, 2012.
RITTER, Joachim. Genie. In: RITTER, J. (Hrsg.)
Historisches Wörterbuch der Philosophie, vol. 3. Basel:
Schwab, 1974, cols. 279-309.
SCHÜTZ, Alfred. On multiple realities. In:
Collected papers. The problem of social reality. The Hague:
Martinus Nijhoff, 1973, p. 207-259.
SOUZA, Jessé. A modernização
seletiva. Uma reinterpretação do dilema brasileiro.
Brasília: Ed. UnB, 2000.
Publicado na revista História da Historiografia
número 13
|