SIMÃO PESSOA E A ARTE DE SER CANALHA
Zemaria Pinto
No meio de tanta bobagem classificável sob o duvidoso título de “literatura de autoajuda”, um rótulo-mala, onde tudo cabe, finalmente temos um livro verdadeiramente útil. Nada a ver com a filosofia pé-de-chinelo do Paulo Coelho ou as besteiras neurolinguísticas do Lair Ribeiro. Nada a ver com anjos, gnomos, e muito menos com a última moda dos salões de beleza, a tal de inteligência emocional. Nada disso. Trata-se do Manual do Canalha − Uma Estética Machista Para O Terceiro Milênio, do escritor amazonense Simão Pessoa, editado pela Topbooks, do Rio de Janeiro, e encontrável nas livrarias sérias da cidade.
O Manual do Canalha se inscreve na mais antiga tradição literária universal, que tem início com o Satiricon, do romano Petrônio, no primeiro século da era cristã, e vai ao Decameron, do italiano Boccaccio, além de Gargântua e Pantagruel, do francês Rabelais, na passagem do medievo à renascença, obras marcantes do ponto de vista literário, mas que deixaram atrás de si, ao longo dos séculos, rastros de ódio, incompreensão e intolerância dos medíocres de todos os tempos, que só entendem a arte como algo distante da fedentina da vida, e não um simples prolongamento desta.
Mas não é nesses autores que Simão Pessoa se baseia para compor o Manual do Canalha. Ele vai mais longe, ao século I antes de Cristo, beber nas fontes sublimes do poeta romano Ovídio e sua Ars Amatoria, a popularíssima Arte de Amar. Ovídio constrói uma “teoria da sedução”, ensinando ao truculento homem romano, afeito mais às artes da guerra que do jogo amoroso, como aproximar-se do objeto de seu desejo e como prendê-lo com presentes, falsas manifestações de ciúme e algumas palavras amáveis, de vez em quando, que ninguém é de ferro.
Simão Pessoa, o nosso Ovídio caboclo, divide o seu Manual do Canalha em doze capítulos, de leitura deliciosa, bem-humorada e denunciadora do machismo, que tem por principais vias condutoras, segundo Simão, “as vovozinhas cândidas, as mulherzinhas dondocas e as mãezinhas possessivas”.
No capítulo “A Arte Milenar da Paquera”, por exemplo, Simão atualiza o grande Ovídio, ensinando ao machão moderno a “chegar junto” em bares, lanchonetes, discotecas, praias, shoppings, manifestações de protesto e outras ocasiões. Os capítulos “Macetes do Bom Gourmet” e “O Que Elas Querem é Phoder” complementam-se ao dar dicas primorosas sobre o comportamento amoroso. “Como Receber Com Elegância” e “O Convidado Que Todos Querem Convidar” também são complementares entre si, na medida em que dão as dicas de como o machão deve se comportar quando o “embalo” é na sua casa ou quando ele apenas “visita”.
Um capítulo altamente instrutivo é “Doenças Sexualmente Transmissíveis”, um verdadeiro tratado sobre blenorragia, sífilis, herpes, cancros e outras dores de cabeça. Mas é em “Casamento: Você Ainda Vai Ter Um”, que o Manual do Canalha atinge a perfeição. Em trinta e cinco páginas antológicas, Simão Pessoa, do alto de sete experiências bem-sucedidas, descreve passo a passo a lenta agonia de um macho imbecil apaixonado até, muitos anos e muitos filhos depois, a sua gradual recuperação, que, aliás, não dura muito tempo. Afinal, como diz a canção jobiniana, “fundamental é mesmo o amor: é impossível ser feliz sozinho”.
Publicado no site Amazonas em tempo, logo após o lançamento da segunda edição da Topbooks, em 2012. |