JOAQUIM NABUCO E OS ABOLICIONISTAS BRITÂNICOS
(CORRESPONDÊNCIA 1880-1905)
Ângela Alonso
“No meu quinto ano no Recife (...)
eu traduzia documentos do Anti-Slavery Reporter para meu pai”.
Isso conta Joaquim Nabuco em Minha Formação.
Então, pelo menos desde 1870 ele costumava ler o jornal da
British and Foreign Anti-Slavery Society (BFASS), pioneira e mais
importante associação antiescravista do século
XIX. Mas somente na década seguinte o interesse veio conformar
uma ação política. Já deputado, Nabuco
se espelhou na organização inglesa para fundar, em
1880, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. A BFASS
acolheu a congênere e ficou meio de madrinha. A conversa começara
pouco antes, por iniciativa inglesa. A BFASS endossou a investida
de Nabuco contra a companhia britânica que mantinha ilegalmente
escravos no Brasil.
Daí em diante, a correspondência
se prolongou por 25 anos. Essas cartas velhas remetem o leitor,
hoje imerso em e-mails fugazes, a um tempo em que se elaboravam
cuidadosamente as missivas. Elas registram as relações
pessoais que davam corpo às articulações políticas,
uma espécie de cozinha do movimento abolicionista. “São
migalhas da história, mas as migalhas devem ser recolhidas”,
diria mais tarde (A semana, 11/8/1895) Machado de Assis.
Esse amigo de Nabuco também lhe escreveu muitas cartas, recentemente
reeditadas, com alentada introdução, por José
Murilo de Carvalho [Machado de Assis & Joaquim Nabuco /
Correspondência, Topbooks, 2003].
O mesmo que agora, em companhia de Leslie Bethell,
traz a público as cartas trocadas entre Nabuco e o pessoal
da BFASS. Os dois notáveis historiadores fizeram edição
bilíngue e caprichada, que suplanta em muito a primeira coletânea,
organizada pelo filho mais moço de Nabuco, José Thomaz
(Cartas aos abolicionistas ingleses, Fundação
Joaquim Nabuco, 1985). Incluíram cartas de Nabuco e de outros
membros do movimento abolicionista brasileiro para a BFASS e redigiram
notas que facultam ao leitor pouco familiarizado com a época
e seus personagens acompanhar a viva conversação que
se desenrola. A introdução encorpada dá notícia
de tema ainda pouco explorado entre os “nabucólogos”:
o vínculo de Nabuco com os abolicionistas ingleses, no auge
da mobilização antiescravista no Brasil.
Bem no meio da campanha, derrotado nas eleições
parlamentares, Nabuco foi ser correspondente do Jornal do Comércio
em Londres. Prosseguiu no ativismo à distância, escrevendo
o maior libelo brasileiro contra a escravidão: O Abolicionismo
(1883). Acompanhou de perto as estratégias de persuasão
da sociedade civil e de pressão sobre o Parlamento dos abolicionistas
ingleses, e as pôs em prática no Brasil, quando voltou.
A conexão serviu ainda para reverberar o abolicionismo brasileiro
e a resistência escravista junto à opinião pública
europeia. Em Londres, Nabuco participava das reuniões da
BFASS e se afeiçoou a Charles Allen. Espelhava-se em sua
liderança de duas décadas à frente da BFASS.
Allen, por sua vez, encorajava o talento e a perseverança
do “senhor Nabuco”.
As cartas mostram que a BFASS foi a porta de
entrada de Nabuco em uma rede abolicionista europeia, cujos tentáculos
transpunham o oceano, abarcando os antiescravistas norte-americanos.
Nabuco se enfronhou nessa teia, não só como reforço
de seu objetivo caseiro, mas em apoio às ações
pelo fim da escravidão na África. Em mais de uma centena
de cartas, a coletânea dá noção desse
abolicionismo sem fronteiras de Nabuco. Mas sempre com os olhos
voltados para o Brasil, onde aportou para virar a estrela da campanha
que culminou com o fim da escravidão em 1888. Foi quando
Allen festejou seu “coração de leão”.
Ângela Alonso é professora
da Universidade de São Paulo
Revista de História
BIBLIOTECA NACIONAL
01/04/ 2009
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da liberdade
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