PARAGUAI FASCINANTE
O cineasta Sylvio Back lança livro de
contos sobre a Guerra do Paraguai, tema que persegue desde a década
de 70 e que lhe rendeu dois filmes polêmicos
Annalice Del Vecchio
Num tempo em que seu coração ainda pendia entre ser
cineasta ou escritor, Sylvio Back devorava contos. De Machado de
Assis e Eça de Queiroz a Graciliano Ramos. De Guy de Maupassant
e Ernest Hemingway a Franz Kafka. De Edgar Allan Poe e Sommerset
Mau¬gham a Ray Bradbury.
“Tanto os lia muito quanto ensaiava escrevê-los”,
conta em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo o
cineasta catarinense que viveu por mais de três décadas
em Curitiba, onde atuou como crítico de cinema e deu início
à sua trajetória de cineasta – em 1968, trouxe
para a cidade os atores Regina Duarte e Reginaldo Farias para protagonizar
seu primeiro longa-metragem, Lance Maior.
Mergulhou de cabeça no cinema. Mas, em
quase uma década de produção cinematográfica
e 37 filmes, sendo 11 longas-metragens, nunca deixou de lado a veia
literária. Back tem editados 21 livros – entre poesias,
ensaios e roteiros de filmes. O mais recente, Guerra do Brasil
– Contos da Guerra do Paraguai, marca sua estreia na seara
dos contos. “Sempre fui apaixonado por este gênero,
que jamais encarei como uma espécie de antessala do romance”,
diz.
O livro, com ilustrações do desenhista
e caricaturista Cárcamo abrindo cada conto, está em
íntimo diálogo com seus filmes – de maneira
mais óbvia com o documentário Guerra do Brasil,
de 1987, sobre os horrores perpetrados pelos aliados na Guerra do
Paraguai (1864-1870).
No entusiasmado texto de apresentação,
o escritor Marcelino Freire escreve: “[Back] ataca, sem piedade,
a nossa hipocrisia. Cutuca o nosso jeitinho retardado, displicente.
Não usa de diplomacia, usa de poesia”. Ele se refere
ao permanente desejo do cineasta de reverter as falácias
e o esquecimento da história oficial – seu último
longa, o documentário O Contestado – Restos Mortais,
retoma a disputa por terra entre Paraná e Santa Catarina,
já discutida na ficção A Guerra dos Pelados
(1971).
Nos quatro anos de preparação do
filme, Back visitou várias vezes os países envolvidos
na guerra – Paraguai, Argentina e Uruguai – e se aprofundou
na leitura sobre o tema. “Foi nesse lusco-fusco da investigação
livresca e de ouvir a versão das ruas dos nossos então
ex-aliados e ex-inimigos que não só nasceu o filme,
há mais de 20 anos, como minha cabeça ficou armazenando
informações de toda sorte, um imaginário multinacional
que virou um ‘feliz tormento’. Quem sabe para me livrar
dele, comecei a rabiscar os primeiros contos”, revela.
Fascínio
Para o escritor, o Paraguai é um dos países
mais fascinantes da América Latina. “Tão próximo
e tão longe do Brasil. Há quase quatro décadas
fui tentado pela sua instigante cultura bilíngue e pela sua
crônica civilizatória única no contexto político
do continente”, diz. Tanto que realizou um filme anterior,
República Guarani (1982), no qual desmistifica a evangelização
promovida pelos jesuítas sobre os índios guarani.
“Eu diria que essas curtas estórias de Guerra do
Brasil, a um só tempo dramáticas e cheias de humor,
são uma espécie de ‘drible da vaca’ da
história oficial”, diz.
Além de contos, estritamente falando,
o livro reúne ainda um “conto-poema” e um “conto-novela”,
numa espécie de rompimento das fronteiras do gênero.
“À medida que os temas se apresentavam, cada um exigia
uma abordagem extraordinária, a busca por uma escritura que
me surpreendesse e, por extensão, o leitor”, explica.
O livro vem fazendo sucesso de vendas na internet,
segundo o autor. “Para cada lote de livros encomendados, vou
pessoalmente à editora e autografo um por um, até
a mão dar câimbra...”, conta ele, que prepara
para breve o lançamento em Curitiba, após lançá-lo
na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro, onde vive.
GAZETA DO POVO
Curitiba
17/01/2011
Veja mais:
Guerra
do Paraguai no olhar de Back
Sylvio
Back , diretor de Aleluia Gretchen, revela sua veia literária
Ironias
e falsetas no Paraguai |