BATALHAS E DIPLOMACIA
Em texto coloquial, obra analisa presença
francesa no Maranhão do século XVII
Mary Del Priore
De livro em livro, Vasco Mariz e Lucien Provençal
vão construindo uma obra, se entendemos por obra um conjunto
de textos atravessados por uma questão. No caso: as relações
históricas entre Brasil e França. Autores de vários
livros sobre personagens importantes da aventura americana, eles
têm se debruçado sobre episódios que a história
deixou no limbo. Depois de Villegagnon e a França Antártica,
quem ganhou carne e osso foi este La Ravardière e a
França Equinocial – Os franceses no Maranhão
(1612-1615). Após as lutas na baía da Guanabara,
aquelas nas praias pantanosas do Maranhão.
Num texto coloquial, os autores conjugam simplicidade
e competência para nos contar o que alguns tentam esquecer:
que, por mais de um século, regiões inteiras do que
hoje chamamos Brasil foram terra de ninguém. De ninguém,
não – pois os franceses sempre demonstraram enorme
habilidade em se instalar e, diferentemente dos portugueses, estabelecer
relações amistosas com seus moradores, os tupinambás
Convívio pacífico com os índios
No Rio de Janeiro foi assim, e em São
Luís também. A idéia de uma colônia francesa
no Norte nasceu depois que alguns franceses ali estiveram, ao final
do século XVI. Essa idéia foi aplaudida por Daniel
de La Touche, Senhor de la Ravardière, que já conhecia
o litoral da atual Guiana. Em 1611, a primeira bandeira com a flor
de lis foi hasteada, e os "papagaios amarelos" –
alcunha carinhosa que lhes foi dada pelo índios – davam
início ao projeto de construir um forte, manter um convívio
pacífico com os tupinambás e preparar a posterior
ocupação por colonos.
A campanha era escorada pelos chamados "grandes
da Corte": François de Razilly, senhor des Aumels, chegado
à família real, Nicolas de Harlay, barão de
Molle e de Gros-Bois e o senhor de Danville, almirante da Bretanha
e primo do rei, Henrique IV. Com o sucesso da primeira parte da
missão, passou-se à segunda. No ano seguinte, nova
frota partiu da Bretanha. Entre os tripulantes importantes, quatro
padres capuchinhos, entre os quais um dos primeiros etnógrafos
a escrever sobre a região: Claude d' Abbeville. A chegada
ao porto de Jeviré ganha banquete "tão magnífico
quanto poderia ser em França", reunião com os
chefes aliados e uma decisão: a construção
do forte São Luís, "feito de estacadas, com baluartes
altos, casamatas e fosso de 40 palmos".
Seguros para passar à etapa seguinte?
Não. Aí que os problemas começaram. E de um
e de outro lado do Atlântico. De comum acordo com companheiros
que levavam adiante uma campanha de alianças comerciais entre
os diferentes grupos tupinambá, Razzily partiu para a França.
Ia em busca de capitais, soldados e colonos. Deixava aqui disputas
discretas com La Ravardière. Este, por ser protestante, era
tratado como "herege" pelos capuchinhos e com pequenas
humilhações por parte de seus subordinados católicos.
Entretempos, Henrique IV, que era um entusiasta da idéia,
foi assassinado por um monge fanático. Na mesma época
programou-se o casamento de seus filhos com os de Felipe III, rei
de Espanha e Portugal – sob a conjuntura da União Ibérica.
Não era de bom alvitre, portanto, arranjar confusão
no Brasil. Por aqui, os portugueses resolvem reagir.
Compreensão das relações
entre dois países amigos
Têm início as "jornadas importantíssimas
do Maranhão", um dos melhores capítulos do livro,
com detalhes das várias escaramuças, traições
e operações estratégicas que levam à
vitória de Guaxanduba. O fim da França Equinocial
se consolida com a rendição do forte São Luís
– Saint Louis des Français – no dia 3
de novembro de 1615. Foram três curtos anos em que fatos externos
ajudaram a abortar uma experiência que poderia ter vida longa.
Se no século XVII o Brasil continuava
como o país do ouro e das especiarias, para La Ravardière
a França Equinocial foi um sonho. Sonho decifrado com autoridade
por especialistas capazes da arte sutíl de reunir a melhor
informação com uma narrativa capaz de deixar qualquer
leitor por dentro do assunto. Trata-se de um exercício de
precisão levado a cabo por dois colegas historiadores, e
que contribui de maneira esclarecedora para a compreensão
das relações entre dois países amigos.
Mary Del Priore é historiadora e sócia
honorária do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio de Janeiro.
caderno Prosa & Verso
O GLOBO
08/03/2008
Leia também:
Um
estudo a quatro mãos da França Equinocial
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