Após um ano preso, petista vira poeta
e abandona política
Evandro Éboli
João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara condenado no mensalão:
"há uma campanha para o fim, para a extinção do PT".
Foto: Ailton de Freitas / O Globo
BRASÍLIA - Aparentando estar mais
magro que nos tempos de parlamentar, o ex-presidente da Câmara
João Paulo Cunha (PT-SP) rompeu o silêncio que cerca
os condenados no mensalão. Recebeu O GLOBO no escritório
de advocacia onde trabalha, numa das torres de um shopping de Brasília,
e falou sobre os poemas que escreveu, que relatam o período
de um ano que passou na cadeia, condenado pelos crimes de peculato
e corrupção passiva. Provocado, falou sobre o momento
atual do PT e da presidente Dilma Rousseff.
— O ambiente na prisão é
muito tenso. Se você não relaxar, vive em permanente
tensão. É preciso muita calma e paciência —
contou João Paulo, que ainda está filiado ao PT.
No próximo dia 7, o ex-deputado estará
em seu primeiro evento público desde que deixou o regime
semiaberto, em fevereiro. Lançará o livro “Quatro
& outras lembranças” (Topbooks), um compilado de
poemas que escreveu nos tempos de prisão. Ainda cumprindo
o restante de sua pena de 6 anos e 4 meses, o petista obteve autorização
judicial para o lançamento e também para conceder
entrevista.
O título “Quatro” é
referência a 4 de fevereiro de 2014, dia de sua prisão.
Todas as poesias têm no título a palavra “quatro”:
“Quatro amores”, “Quatro suicidas, “Quatro
peças de roupa”, “Quatro músicas”.
João Paulo até fez a leitura, registrada em vídeo,
de um de seus poemas, “Quatro números”, narrativa
do impacto que sofreu na prisão: “Aprendeu a ser só/
acostumou com o vazio/ desconheceu o mundo que abandonou tão
cedo/ a direção da rua não lhe dizia nada por
muito tempo/ se olhar para a parede de sua cela/ era para as mulheres
nuas (...) /não conheceu o Céu, mas não gostou
do Inferno”.
Dos 12 meses preso, dois meses foram na Papuda,
onde dividiu a cela com o ex-ministro José Dirceu:
— Conforta estar com um companheiro que
tem o mesmo pensamento médio que o seu — disse João
Paulo.
Os outros oito meses o petista passou no Centro
de Progressão Penitenciária (CPP), onde cumpriu o
semiaberto. Trabalhava de dia e dormia na cadeia.
— Ali (no CPP), eu ficava com 25 presos
na cela e as regras eram mais rígidas, horário para
dormir. Na Papuda, era diferente.
João Paulo não tem queixas da
prisão. Diz que nunca foi hostilizado ou alvo de provocação:
— Isso nunca aconteceu.
Na Papuda, conta que sua rotina era fazer limpeza
na biblioteca, espanar livros e entregar material escolar nas salas
de aula dos presos. A literatura, diz, é uma paixão
desde sempre. A prisão o estimulou a ler mais ainda. Ele
conta ter lido 60 livros e feito 21 resenhas.
— Com o advento da prisão essa vontade
da leitura aflorou com muita força. Ali, para se relacionar
com o mundo tem que ler. É uma rota de fuga. Lia de tudo,
exceto política.
E do mundo da política João Paulo
quer distância. Não voltará a disputar eleição.
Mas não foge do tema, ainda que sua condição
de apenado impeça excessos nos comentários.
— Há uma campanha para o fim, para
a extinção do PT. Foi um partido guardião de
valores. Não vai acabar assim. Quem se preocupava com os
sem-terra, com os sem-teto, com os desvalidos?! Sempre foi o PT.
E sobre os escândalos, ele afirma:
— Quando se contar a história, veremos
que, quando o PT começou a crescer e exercer sua hegemonia,
foi abatido pelo mensalão. Foi acusado de fazer caixa dois.
Ainda assim, Lula foi reeleito e Dilma foi reeleita. Quando volta
a crescer, para ficar mais doze anos, até 2016, é
atingido por novo escândalo (Lava-Jato). Acusado agora de
fazer caixa um.
Ele compara o tamanho do mensalão com
a corrupção na Petrobras e na Receita Federal (Carf).
— Diziam que o mensalão era o maior
crime contra o país. Olha esse Carf. Só provado já
chega a R$ 6 bilhões. E ninguém fala nada! E o mensalão
foi o maior com R$ 140 milhões! Só o Barusco... Melhor
não falar.
O GLOBO
Rio de Janeiro
02/04/2015
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