O reino da Dinamarca está podre,
mas fica longe
Quem dá a mínima para o agente
Barba, a morte de Celso Daniel ou os dossiês fajutos do PT?
José Nêumanne*
O livro Assassinato de Reputações
(Topbooks), do policial e advogado Romeu Tuma Júnior, faz
revelações de alto teor explosivo sobre a atuação
do mais popular político brasileiro, Luiz Inácio Lula
da Silva. Segundo o autor, Lula foi o informante chamado Barba do
pai dele, Romeu Tuma, delegado que chefiou o setor de informações
da polícia política na ditadura militar, dirigiu a
Polícia Federal (PF) e foi senador da República. A
obra contesta a versão oficial da polícia estadual
paulista, comandada por tucanos, e da direção do partido
de Lula, o PT, sobre o assassínio de seu companheiro e prefeito
de Santo André, Celso Daniel, quando este coordenava o programa
de governo na primeira campanha vitoriosa do petista-mor à
Presidência. Como indica o título, ele relata minuciosamente
o uso de dossiês falsos montados contra adversários
em época de eleições. Tuma assegura ainda ter
provas de que ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram seus
telefones grampeados. E registra a atuação ilícita
de arapongas da Agência Brasileira de Inteligência em
operações da PF, caso da Satiagraha.
Tuminha, como o próprio autor do livro
se autodenomina para se distinguir do pai, Tumão, teve o
cuidado de esclarecer que o agente Barba não delatou nem
prejudicou ninguém. Ao contrário, em sua opinião,
ele teria prestado benignos serviços ao País e à
democracia permitindo que o Estado (então sob controle dos
militares) acompanhasse o movimento operário de dentro. Delatores
nunca são benquistos nem benditos, mas Lula pode ser a primeira
exceção a essa regra consensual que vige nos presídios,
nos palácios, nas ruas, nas casas e em quaisquer outros locais,
aqui como em outros países, e sob democracias ou ditaduras.
No entanto, não há notícia de que nenhuma das
Comissões da Verdade criadas pelo governo federal do PT e
do PMDB e por administrações estaduais ou municipais
tenha aberto alguma investigação a respeito da atuação
de um dirigente político e gestor público importante
como ele.
No livro O que Sei de Lula, de 2011, revelo
que houve uma reunião em São Paulo do então
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo
do Campo e Diadema com o major Gilberto Zenkner, subordinado do
chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI),
general Octávio Aguiar de Medeiros. Este travava intensa
luta pelo poder contra o chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e
Silva, que enviara o presidente do partido do governo em São
Paulo, o ex-governador Cláudio Lembo, para pedir ao líder
dos metalúrgicos em greve apoio público à volta
e reintegração dos exilados com a abertura e a anistia.
O líder negou-o, Medeiros duvidou da informação
dada a Figueiredo, mandou conferir e Lula reafirmou a negativa.
Justiça seja feita, Lula sempre confirmou
em público ter mantido excelentes relações
com o mais célebre xerife na transição da ditadura
para a democracia. E chegou mesmo a gravar carinhosa mensagem usada
por Tumão na sua propaganda política em campanha para
o Senado. Quer dizer: ninguém pode afirmar que haja provas
de que ele tenha sido delator, mas também ninguém
apareceu para desmentir a versão de Tuminha nem a reunião
com o emissário de Medeiros.
Tuminha faz no livro um relato de razoável
verossimilhança do sequestro e assassinato de Celso Daniel
com a autoridade de quem era, à época, o delegado
de Taboão da Serra, onde o prefeito foi executado. O governador
de então (e hoje), o tucano Geraldo Alckmin, afastou o policial
do caso e transferiu a investigação para o Departamento
de Homicídios e Proteção à Pessoa, alegando
que o funcionário poderia aproveitar-se da exposição
na mídia para se eleger deputado estadual. O inquérito
feito pela cúpula da polícia paulista, apoiado e aplaudido
pelo comando petista, é contestado pela família da
vítima e a sequência de fatos que o autor reproduz
na obra sugere que o crime está longe de ter sido elucidado.
Tuma Júnior nunca foi oposicionista nem
adversário de Lula. Ao contrário, este o nomeou para
comandar a Secretaria Nacional de Justiça, ocasião
em que muitas vezes, segundo afirma, foi procurado por figurões
de alto coturno do governo e do PT para produzir inquéritos
contra adversários. Novidade não é: o falso
dossiê contra José Serra na campanha para o governo
paulista é tão público e notório que,
contrariando o seu hábito de nunca ver, nunca ouvir, nunca
saber, Lula apelidou de “aloprados” os seus desastrados
autores. Nenhum desses, contudo, foi investigado e punido. E seu
eventual beneficiário, o candidato petista derrotado por
Serra na eleição, Aloizio Mercadante Oliva, é
ministro da Educação e tido e havido como um dos principais
espíritos santos de orelha da chefe e correligionária
Dilma Rousseff. Mas os fatos lembrados no livro de Tuminha impressionam
pela quantidade e pela desfaçatez das descaradas tentativas
de usar o aparelho policial do Estado Democrático de Direito
para assassinar reputações de adversários eleitorais,
tratados como inimigos do povo.
O policial denuncia delitos de supina gravidade
na obra. No entanto, desde que o livro foi lançado e evidentemente
recebido com retumbante sucesso de vendas, não assomou à
cena nenhum agente público ou mesmo um membro da tíbia
oposição que resolvesse ou desmascarar as possíveis
patranhas do autor ou investigar as informações dadas
por ele e que seriam passíveis de desmentido ou confirmação.
Pois o protagonista das denúncias do delegado continua sendo
o eleitor mais importante do Brasil e se prepara para consagrar
seu poste Dilma Rousseff, reelegendo-a. Pelo simples fato de que
não há eleitores preocupados com as aventuras do agente
Barba na ditadura, com a punição dos assassinos de
Celso Daniel ou com os inimigos dos poderosos do momento contra
os quais foram fabricados falsos dossiês. Há algo de
podre no Reino da Dinamarca, mas, como se sabe, a pátria
de Hamlet fica longe daqui.
*Jornalista, poeta e escritor
O ESTADO DE S.PAULO
15/01/2014
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