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CINEASTA E ESCRITOR BLUMENAUENSE LANÇA LIVRO DE POEMAS ERÓTICOS
Quermesse reúne textos escritos há 30 anos, além de 55 poemas inéditos de Sylvio Back

Carol Macário / caroline.macario@diario.com.br

Contra o cilício moral que perpassa a cabeça de todos, mesmo em tempos de permissividade e disponibilidade sexual, Sylvio Back se arma de poesia. Palavrões, escracho, gozo, tesão, mãos, coxas e outras partes (mais baixas) do corpo, tudo isso ele usa para falar das estripulias do sexo sem rebuços de linguagem ou disfarces temáticos. Embasado no ditado de que não existe palavra impura para o poeta, e certo de que no terreno da poesia a amperagem da hipocrisia é incontornável, o cineasta e escritor de 76 anos, nascido em Blumenau, apresenta em Quermesse (Topbooks) sua poética erótica reunida. São textos que remontam a quase 30 anos, além de 55 poemas inéditos acoplados aos títulos anteriores: O caderno erótico de Sylvio Back (1986), A vinha do desejo (1994), boudoir (1999) e As mulheres gozam pelo ouvido (2007). O livro foi lançado em abril no Rio de Janeiro, e está à venda em todo o Brasil. Confira a entrevista com o cineasta:

POESIA ERÓTICA

Acredite, minha estante de poesia é maior do que a de livros de cinema. Só ousei poetar já homem maduro (aos 48 anos). Qualquer que seja a criação do espírito humano, a poesia é a única totalmente imprevisível. Quase sempre fruto de uma “brisa mediúnica” que sopra sobre e dentro de você e do seu intelecto quando ela bem entende.

Repentinamente, em meados da década de 1980, sem nunca antes ter escrito um poema, nem por fastio ou artimanha amorosa – pois sempre achei o poema e o poetar coisa difícil de rimar – fui invadido por inesperados versos sofridos e doridos. E nessa conflagração vieram de roldão, imbricados, estrofes inoculadas pelas chamadas "palavras do antro".

No começo, fiquei perplexo e assustado. Ato contínuo, no entanto, procurei não apará-las, leitor contumaz de Catulo, Ovídio, Marcial, Aretino, Gregório de Mattos, Bocage, Oswald de Andrade (“amor e humor”), da contundência de suas hipérboles eróticas eivadas de viço e isentas de vício, e dei-lhes passagem.

“Sem a luxúria no mundo o que seria da alegria e da beleza?” – per-gunta John Updike. Não demorou e me inaugurei com O caderno erótico de Sylvio Back. Em Quermesse, justamente, reúno minha poética erótica, um florilégio que remonta a quase trinta anos, abrindo com 55 poemas inéditos acoplados aos títulos anteriores.

QUERMESSE

O título nasce do veio original onde se dava a fruição da poesia erótica e fescenina (termo associado à cidade etrusca de Fescênia, hoje Itália /1.200-700 a.C) na Antiguidade: do Egito aos impérios greco-romanos, da Idade Média, Renascimento aos séculos XVII e XVIII. São versos ancorados na cultura popular veiculada nas ruas, em feiras, festas religiosas e espetáculos circenses. Por isso, são estrofes com forte registro obsceno (etimologicamente, "fora da cena") e de crítica moral, que vêm desde os clássicos Catulo, Ovídio e Marcial, passando pelas medievais “cantigas d'escárnio e de mal dizer”; pelo veneziano Aretino; pelo “Boca do Inferno” Gregório de Mattos; os portugueses Bocage, Fernando Pessoa e António Botto (autor do genial livro Bagos de Prata), e ainda os nossos Bernardo Guimarães e Oswald de Andrade; Paulo Vellozo, Jayme Santos Neves e Guilherme Santos Neves (autores do antológico Cantáridas), além de Manuel Bandeira e o Drummond de Amor Natural.


SE O ASSUNTO É SEXO...

Des¬crever e poetar sobre os chamados “países baixos” ainda é um interdito irrecorrível. No entanto, descrever e banalizar Tânatos, a violência institucional e familiar, a criminalidade urbana, já se transfiguraram no trágico repertório audiovisual a que somos, diariamente, constrangidos. Vamos combinar: tudo que é erótico é necessariamente pornográfico (e vice-versa), enquanto este não se confundir com apologia do crime.
Afinal, nada mais pornográfico do que a fome, a miséria, a corrupção, a violência contra a mulher, o estupro, a pedofilia, zoofilia, etc. Portanto, Eros é o verbo exato para a descrição de corpos tomados por um irrefreável desejo, embalados por uma insopitável joie de vivre, pelo despudor e pelo usufruto do prazer sem meias nem peias.


POEMA ERÓTICO E SEMIÓTICA

O poema erótico é uma criação tão nobre nas obras de poetas emblemáticos como Goethe, Baudelaire, Rimbaud, Whitman, Apollinaire, Valéry, Verlaine, Kaváfis, Pierre Loÿs, Boris Vian, Fernando Pessoa quanto a sua produção, digamos, “normal”. Aquela sancionada por editores, pela mídia, pelas livrarias, pelos críticos “virtuosos”, pelo chamado “discurso literário” hegemônico de cada época – para fruição do leitor comum.

A lembrar que o palavrão e as expressões que denotam os atos & fatos das zonas erógenas, como assinala o filósofo Sérgio Paulo Rouanet, jamais perdem seu valor semântico ao longo do tempo: embora sancionadas – e muitas vezes até fora de contexto repetidas no cinema, no teatro e na literatura, são proscritas da poesia.

Aos poucos, enquanto dava passagem ao meu fabro erótico, e à medida que ele trazia aquela impune “jubilosa transgressão” de que fala Georges Bataille, a inexistência da culpa com que a civilização judaico-cristã penaliza a libido, esmaeciam as fronteiras morais e linguísticas entre erotismo e pornografia. Eu me fundava poeta fescenino, sem outras amarras, pleno de liberdade e destemor verbal.

Toda essa ousadia está aberta à visitação neste Quermesse. Como diz o grande poeta inglês W.H. Auden, na epígrafe do livro: “Todas as palavras estão certas e são todas suas”.


EROTISMO VERSUS PORNOGRAFIA

O verso erótico, muitas vezes alcunhado de “poesia de sacanagem”, “pornográfica” ou “pornô” (de pórne ou pornôs, do grego, relativo à prostituição), é uma dicção sistematicamente vigiada e posta sob suspeita – inclusive para esvaziá-la de sua amperagem ontológica como criação legítima e indissolúvel na obra de inúmeros autores de toda a história da poesia ocidental, oriental e africana (profana ou religiosa). Sem falar que, além de amada, decorada e declamada pelo anônimo das ruas, atravessa incólume séculos, idiomas e países.

E entre os leitores eruditos, depois de lida, repetida e enaltecida, ela invariavelmente ficará escondida no “inferno das bibliotecas” públicas e privadas, quando não restrito os livros às prateleiras “genuflexas” das livrarias (a propósito, em todas elas o pretenso leitor precisa ajoelhar-se caso queira compulsar a obra, o que, metaforicamente, até faz sentido: poesia deveria ser lida de joelhos...).


PORNOGRAFIA ESCRACHADA

Mas tudo embalado com humor, nonsense e muita alegria, que é a matriz histórica, o DNA do poema erótico fescenino – retórica e linguagem de cordel e erudita de todos os povos civilizados, do Egito e da Roma Antiga aos dias atuais. Autor do texto de apresentação do livro, que intitulou de “Deflorais de Back”, o jornalista e escritor Roberto Muggiati sentencia: “Não existe tristeza na Utopia backiana, o gozo é eterno neste novo mundo amoroso, Xangrilá ditoso que une num jardim das delícias os países baixos e os cumes cerebrais”.


Experiência ou imaginação?

A poesia é feita de palavras, como já dizia Mallarmé. Favor não confundir o criador com a criatura. Sim, o poema é do poeta, só que o poeta não é o poema. Ou melhor, os versos são libertinos, mas o poeta é casto!

Publicado no Diário Catarinense em 16 de abril de 2014.

Veja mais:

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