POSIÇÃO PRIVILEGIADA
Em Mirante, Afonso Arinos Filho,
ex-parlamentar e diplomata, recorda meio século da história
brasileira e analisa o mundo atualSe a vida é “um filme
que só se monta quando a gente morre”, conforme frase
de Pier Paolo Pasolini citada em Mirante, a de Afonso Arinos,
filho - diplomata, político, escritor - já tem neste
livro um copião precioso. No fim de 1998, o autor começou
a fazer registros, experiência e testemunho de uma vida. Subestimou
os ao prever que seriam apenas “notas soltas, ocasionais e
destituídas de qualquer compromisso”. Mesmo o leitor
alheio à elegância e sensibilidade do estilo corre
o risco de se deixar cativar pela emoção e pela dignidade
com que Arinos Filho viveu, em posição privilegiada,
meio século de nossa história.
Terceiro com o nome Afonso Arinos de Melo Franco,
ele foi favorecido pela presença e ação marcante
dessa família mineira de Paracatu - depois do tio avô,
da escola regionalista na literatura, eleito em 1901 para a Academia,
e do pai, que em meados do século XX estava no coração
das crises políticas. Arinos Filho é bisneto de presidente
(Rodrigues Alves) e neto de “um estadista da República”
(Afrânio de Melo Franco, assim biografado pelo segundo Afonso
Arinos).
Além da presença forte do pai,
o autor deixa à mostra a obsessão com a morte do tio
Virgílio Alvim de Melo Franco, “o motor da conspiração
e articulação Minas Rio Grande do Sul que desembocou
na revolução de 1930”. Afonso Arinos brilhava
na literatura e na universidade quan¬do a morte do irmão
mais velho o fez se deslocar para a política quase em tempo
integral - como parlamentar e líder da UDN na oposi-ção
a Dutra e, depois, a Vargas, eleito em 1950.
Em 1954, um telefonema que recebeu do coronel
Adil de Oliveira, chefe da “República do Galeão”
(o IPM do atentado contra Lacerda), apontou semelhanças com
a morte de Virgílio. E sob o impacto da informação,
acha o autor, Arinos fez seu discurso mais contundente. Ao deixar
a tribuna, ouviu uma avaliação: “Você
derrubou o governo”. Arinos nunca quis escutar a gravação
do discurso - preservada pelo filho, apesar de retirada dos anais
do Congresso, a pedido do pai. O desfecho traumático da crise
foi o suicídio do presidente a 24 de agosto.
O período conturbado arrastou também
Arinos Filho à política. Ele foi deputado estadual
constituinte do estado da Guanabara e, depois, deputado federal.
Antes, porém, integrou o gabinete do sucessor de Vargas,
Café Filho. Os Arinos, na UDN, não acompanharam as
tramas de Carlos Lacerda contra a posse de JK. Mas só romperiam
com Lacerda quando Afon¬so Arinos conduzia a políti¬ca
externa do governo Jânio Quadros, em 1961. A “diplomacia
sem ali¬nhamentos automáticos” é tema recorrente
de Arinos Filho. Não só pelo pa¬pel do pai, que
a conduzi¬ra: o autor lembra com ên¬fase o macarthismo
interno no Itamaraty, a lista negra de perseguidos (Antônio
Houaiss, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Morais entre
eles) e a presença de espiões a serviço da
CIA na embaixada do Brasil em Montevidéu (em plena Opera¬ção
Con-dor). Exorciza ainda o interven¬cionismo na América
Latina e os excessos dos EUA, ontem e hoje, em especial a arrogância
imperial do governo Bush, guerras preventivas, violações
do Direito Internacional, unilateralismo, torturas de Abu Ghraib
e Guantánamo.
0 autor fala da frustração pessoal
como embaixador na Bolívia (1980 1982), quando golpistas
impediram a posse do presidente Siles Zuazo, a quem faltou "a
solidariedade do Brasil, que eu representava" (tema de Tempestade
no Altiplano, livro que publicou em 1998). Em compensação,
a carreira deixou lhe fantástica coleção de
lembranças positivas - desde o tempo em que saía do
ltamaraty ao fim do expediente, com o colega da mesa ao lado, Vinicius.
A dupla entregava a coluna do poeta na redação da
Última Hora e rumava para Copacabana, no Maxim's
e outros bares, para encontrar Sérgio Porto, Lúcio
Rangel, Antônio Maria, Paulo Mendes Campos.
Afonso Arinos Filho registra o desencanto de
Arinos pai, em seus últimos anos, com as "ilusões
dos udenistas, demasiado presos a um legalismo formal, e contrários
a uma renovação econômica e social". 0
nível da "forte decepção" fica ainda
mais explícito nesta afirmação: "A minha
gente, o meu partido, os meus companheiros, aceitavam as teses de
institucionalização da vida pública, enquanto
esta institucionalização servia para refrear os impulsos
do progresso social".
CARTA CAPITAL
28/02/2007
Leia também:
50
anos de Brasil
O
observador em seu mirante
Anotações
de um diplomata
|