AUTODIDATA NA LITERATURA E NOS NEGÓCIOS
Em 1995, o editor José Mário Pereira, da Topbooks,
em parceria com a UniverCidade, recuperou para os leitores brasileiros
a lírica sensível e romântica de Augusto Frederico Schmidt, tendo
lançado no mercado a “Poesia completa” do até então lamentavelmente
esquecido poeta e sonetista. Reunidos, os numerosos versos formatariam
um volumoso livro de quase 700 páginas, com requintada capa de Victor
Burton.
Na ocasião — exatos 30 anos da morte deste carioca
de alma generosa, fiel amigo de seus amigos, que quando vivo se
dedicaria à literatura com o mesmo ardor com que participaria, como
cidadão influente, do cotidiano político do país — José Mário prometia
trazer também a lume toda a prosa de Schmidt, para que sua personalidade
e suas idéias pudessem ser conhecidas pelas novas gerações em todo
o brilho de suas múltiplas facetas.
O fato é que, além de poeta alvo dos elogios
de Vinícius, Drummond, Cabral e Mário de Andrade, o empresário,
político, editor, eminência parda e ghost writer de presidentes
foi também excelente prosador, costumando defender com entusiasmo
suas idéias desenvolvimentistas em cartas a amigos, ensaios e artigos
publicados em jornais. Católico e conservador, se para alguns de
seus críticos mais ferrenhos Schmidt foi simplesmente um homem de
direita, para os que o admiravam e os muitos que ainda se encantam
com sua poesia e seus pensamentos foi um profeta, antevendo problemas
que o país viria a enfrentar nos dias atuais por ter insistido numa
política econômica que fatalmente acarretaria a manutenção do atraso
social.
Promessa feita, promessa cumprida à risca. Aos
poucos, a Topbooks, com o auxílio da UniverCidade, vem editando
toda a obra do empresário dublê de poeta e editor, fazendo com que
renasça em toda a sua glória para a literatura brasileira. De 95
até agora, já foram publicados, além da “Poesia completa” — que
infelizmente já se encontra esgotada, mas em breve deverá ser reeditada,
com 40 novos poemas inéditos — os livros “As florestas”, com páginas
de memórias, a “Antologia da prosa” e, mais recentemente, a “Antologia
política”. O próximo passo será a edição dos ensaios literários
do polivalente autor, entre os quais se encontram textos críticos
sobre Eça, Tavares Bastos, Rui Barbosa, Manuel Bandeira, Cecília
Meireles, “Dom Quixote”, Camões, Vieira e Machado de Assis. E outras
obras ainda virão, já que, segundo José Mário Pereira, ainda há
a correspondência a ser organizada e depoimentos de amigos e admiradores.
Se abandonarmos a rígida visão maniqueísta de
esquerda e de direita que vigorou no mundo enquanto o planeta era
cortado ao meio, pelo aço da Guerra Fria, entre comunistas e capitalistas,
sem dúvida alguma há o que se admirar em Augusto Frederico Schmidt.
E não somente o fato de ter sido o primeiro editor de Graciliano
Ramos, de Jorge Amado e do magistral “Casa-grande & senzala”, de
Gilberto Freyre. Tendo abandonado os estudos cedo, começou a trabalhar
aos 14 anos como caixeiro, iniciando uma vida dura no comércio que
o levaria mais tarde a ser o empresário que foi, inaugurador das
redes de supermercados no Brasil.
No que se refere à literatura, fora a influência
materna quase que intuitiva — a mãe, sempre doente, morreu quando
ele tinha 16 anos — Augusto Frederico Schmidt se caracterizava como
um autodidata, lendo livros que lhe caiam às mãos ou os que encontrava
em visitas a bibliotecas públicas, sem ter a mínima orientação formal.
Foi por esforço próprio que veio a se tornar o poeta que foi — fora
das correntes de seu tempo, apesar do namoro com os modernistas
— e também foi por sua própria experiência no varejo, e não por
erudição acadêmica, que viria a se transformar num influente empresário
propugnador do liberalismo. Respeitado por Juscelino Kubitschek,
participaria da conspiração para derrubar Jango Goulart, mas rapidamente
se decepcionaria com os idos de 64 e com a ditadura de seu amigo
Castello Branco, com esta decepção só não tendo sido maior por ter
morrido em 1965.
Caderno Prosa & Verso
O GLOBO
Rio de Janeiro
05/04/2003
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