RUBAIYÁT
Do Rubaiyát de Omar Khayyam já
se disse ser a “Bíblia da Incredulidade”. Desde
a segunda metade do Oitocentos, quando os traduziu, ou, melhor,
os recriou em inglês Edward Fitzgerald, poucos versos foram
tão lidos e tão sofridos, no Ocidente, quanto esses
de um matemático e astrônomo persa do século
XI, que, sendo talvez, mais do que um ateu, um inimigo de Deus,
tinha a vocação dos místicos.
Ao fazer o elogio do vinho e da embriaguez como
remédio para a desesperança da vida (que seria apenas
uma brevíssima interrupção num grande Nada),
Omar Khayyam nos convida à fruição do presente,
com suas rosas, pássaros, música e amores, como se
o instante pudesse ser um simulacro da eternidade, e nos convoca
para um jogo fugaz, lembrando a todo tempo que o universo é
inexplicável, e mais parece a criação de um
insensato.
Fitzgerald provavelmente participava do pessimismo
de Omar Khayyam e o acompanhava no gosto pelas tiradas heréticas.
O contrário se passava com João Baptista de Mello
e Souza (1888-1969), que desde 1959 tinha pronta esta tradução
do Rubaiyát. Homem de fé, era um otimista,
encantado pela vida, como se vê no seu livro de memórias
de infância, Meninos de Queluz, de leitura inesquecível.
J. B. de Mello e Souza apaixonou-se pela poesia
de Omar Khayyam porque esta lhe dizia todo o oposto do que acreditava,
e, a imitar o dramaturgo que entusiasticamente empresta vida a uma
personagem que lhe encarna a diferença, deu-lhe novamente,
com mestria e beleza, voz em português.
Aqueles que, desde muito, conhecem a poesia do
persa a reencontrarão neste volume com uma dicção
diferente, personalíssima. Os que dela só tinham notícia
se comoverão ao receber, vindas de tão longe no tempo,
estas lições sobre a inutilidade da aventura humana.
E não mais esquecerão o impacto destes versos.
Alberto da Costa e Silva
Historiador, membro da ABL
QUARTA CAPA:
Seria longo esboçar o capítulo
da fortuna de Khayyam em língua portuguesa, dentro da qual
se integra hoje, com destaque, João Baptista de Mello
e Souza, através de uma tradução baseada
nas edições inglesas e francesas não posteriores
à década de 1950, com o que de melhor haviam alcançado
os especialistas. O corpus khayammiano era – e continua sendo
– um quase insolúvel quebra-cabeça, do volume
de poemas à autoria, cujo território poético
se apresenta minguante ou crescente, de acordo com o prisma de leitura
ou com a flutuação de novos (e nem sempre corretos)
acréscimos de poemas, fora do cânon estabelecido.(...)
Mello e Souza escolhe um instrumento bem temperado, atento ao Lá
fundamental, sem maiores dissonâncias, a que junta o colorido
semântico e a variedade rítmica. (...) Importa dizer,
contudo, que a tradução de Mello Souza houve-se bem,
íntimo da língua de chegada e da poesia brasileira,
sobretudo do legado simbolista e parnasiano, assim como de boa parte
do modernismo. É livro que enriquece o capítulo da
literatura persa no Brasil e que merece todo o nosso aplauso.
Marco Lucchesi
Poeta, membro da ABL
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