PECADO MORTAL
Dario Prudente, o político, e padre Franco, o reitor, se conheceram em ofícios religiosos – nas missas, no confessionário, em eventos litúrgicos. No início, o que os aproximou foi a vontade de se consultarem sobre os problemas dos rebanhos de cada um. O padre estava se transferindo de uma paróquia do Centro do Recife para ocupar a Reitoria do Seminário, hospedado em Olinda; o político, depois de eleito deputado estadual e federal, ansiava tornar-se governador de Pernambuco.
O drama mais sensível do reverendo era a discrepância entre a receita e a despesa do Seminário. Na prática, o mundo de privações se tornava visível na mesa de refeições dos seminaristas, mas também no desabastecimento de água e luz, na precariedade da limpeza e do combate aos mosquitos. O político não se considerava protagonista ou sequer coadjuvante nas tratativas para socorrer seu eleitorado. Loquaz nos encontros para receber queixas, era omisso na cobrança das demandas; estava mais para ouvidor de pedidos do que para gestor de soluções.
Católico fervoroso, DP passa a frequentar a igreja com assiduidade muito além das missas dominicais. Descobre que a oratória é arma eficaz para ganhar o coração das maiorias desavisadas e pede para ter aulas com o padre, que já o atende como guia espiritual, conselheiro econômico, político e sentimental. Credenciado pelos estudos na Faculdade de Direito, começa a discursar em eventos, e se torna presença obrigatória em pelo menos meia dúzia de solenidades por semana, forçando ingresso em ritos de caráter social, festivo, inaugural ou fúnebre. Ganha tribuna e microfone cavando convites, tomando o lugar de orador preguiçoso ou simplesmente se oferecendo para fazer saudações.
Numa dessas se encanta com uma espectadora que o aplaude mais do que todos os presentes. Alheio às tentativas de cumprimentos, dirige-se à moça e lê a inscrição no crachá: "Faculdade de Veterinária / Hermínia Ventura". Trata-se da filha do “coronel” Teodorico Ventura, pecuarista reconhecido pela valentia e pela fama de homem mais rico de Pernambuco. Inteligência, educação, sobriedade e beleza são predicados da jovem, mas nada disso é mais importante do que a bagagem de milionário do pai.
Quanto mais DP ascende na política – com ajuda do sogro, chega a se eleger governador em pleito indireto – mais lhe serve o padre Franco, que logo é nomeado assessor especial do Governo de Pernambuco. A vida alegre do casamento com Hermínia dura pouco, e crescem muito as atividades de DP fora de hora e de casa. Quando a primeira-dama reclama, a resposta vem pronta: “Reunião de aconselhamento com o padre reitor”.
Os notáveis aliados trocam ideias diariamente, e se reúnem pelo menos uma vez por semana. Jactam-se de compor uma espécie de micro-organização comunitária. Durante um almoço a dois, o político vê pela primeira vez o rosto da freira que lhes servia a mesa. Rachel. Rachel Moraes. Educada, simpática, espirituosa, discreta e, sobretudo, de traços belíssimos. A dupla levaria poucos dias para acrescentar o nome da linda freira à ONG informal deles.
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