OS SENHORES DA PALAVRA - ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS HUMANAS
E BEM-HUMORADAS
Três histórias do livro
PODE PEDIR
Certa noite, Álvaro Moreyra ia com Olegário
Mariano pela rua Barata Ribeiro, em Copacabana, quando um mendigo
lhes pediu uma esmola pelo amor de Deus. E o autor de “As
amargas, não...”, que nunca tinha dinheiro no bolso,
explicou-se:
— Seu mendigo, o senhor deve ser
mais feliz do que eu, e tem uma enorme vantagem sobre mim: o senhor
pode pedir.
O DOBRO
Houve uma fase em que Chatô (Assis Chateaubriand)
precisava lançar uma revista de circulação
nacional. Existia, na época, uma revistinha modesta, “O
Cruzeiro”, para cuja compra pediu ajuda de Getúlio
Vargas, então no governo do Rio Grande do Sul, que lhe perguntou:
— De quanto precisas?
— De uns 300 contos. O resto pago
depois.
Getúlio chamou ao Palácio Piratini
um banqueiro gaúcho e pediu-lhe 600 contos emprestados para
a revista ser comprada por Chatô, que ponderou:
—Mas eu só preciso de metade
desse dinheiro...
E Getúlio, com ares de conselheiro:
— A um banqueiro, você nunca
deve pleitear a importância realmente necessária e
desejada. Sempre peça o dobro, para permitir que ele lhe
dê a metade.
UM REI FARDADO
Conta-se que Aurélio Buarque de Holanda,
na noite de sua posse, vestiu o fardão, com o chapéu
de plumas e a espada, pegou um táxi bem em frente ao seu
edifício, na avenida Rui Barbosa, e mandou-o tocar às
pressas para a Academia. Faltavam cinco minutos para as nove horas
e ele não podia se atrasar mais.
Olhando pelo retrovisor, o motorista lusitano,
que já havia notado o figurino do passageiro, percebeu seu
nervosismo e procurou tranquilizá-lo:
— Vossa Excelência pode ficar
sossegado porque, do jeito que está vestido, essa cerimônia
não começa sem que Vossa Excelência chegue.
Quando pararam em frente à ABL, Aurélio
desceu do carro e pagou a corrida, enquanto o português, que
o olhava de cima para baixo, extasiado diante do fardão,
não se aguentou e perguntou-lhe:
— Sois rei?
***
Lição de bom humor
Este novo livro do professor e acadêmico
Murilo Melo Filho enquadra-se perfeitamente no conjunto de obra
do autor, em que se incluem, entre outros títulos importantes,
Testamento político, Tempo diferente e O
brasileiro Rui Barbosa. Nele Murilo Melo Filho reuniu
textos e frases sobre o que 80 acadêmicos – todos já
mortos – disseram, fizeram e discutiram ao longo de sua passagem
pela nossa Academia Brasileira de Letras. São fatos bem-humorados,
contados com a graça própria de intelectuais sábios
e cultos, aqui compilados com verve e estilo.
O autor teve a preocupação de reconstituí-los
com cuidado e exatidão. Conheço-o há 50 anos,
durante os quais se desdobraram os acontecimentos relatados por
esse escritor-jornalista sempre preocupado com a verdade. E, por
conviver com ele há meio século, tenho prazer em apresentar
Senhores da Palavra, afiançando que se trata de obra
útil e bem produzida.
O leitor encontrará aqui páginas
escritas com invejável precisão e graça, de
modo a prender a atenção da primeira à última
sílaba. Trata-se de um texto saboroso e, ao mesmo tempo,
recheado de informações interessantes que, certamente,
servirão como subsídio para pesquisadores, bibliotecas
e universidades – do Brasil e do mundo.
Arnaldo Niskier
Academia Brasileira de Letras
***
Humorismo literário
A obrigação maior da Academia Brasileira
de Letras é o cuidado com a língua portuguesa, como
cláusula pétrea do seu Estatuto, escrito por Machado
e Nabuco e aprovado na sua fundação. Vetusta por natureza,
nem por isso ela dispensa o humor, presente em muitos casos e episódios.
Jornalista político e conhecido acadêmico,
o autor deste livro consultou documentos e atas que revelam facetas
curiosas e divertidas da vida acadêmica. Conheço-o
há mais de 10 anos, como representante do que Nelson Rodrigues
chamava de “uma doce figura”, incapaz de qualquer maldade.
Uma leitura das provas deste livro convenceu-me
de que existe no Brasil um jornalismo literário. O que há
na obra de Murilo, como antes ocorreu no trabalho de Josué
Montello, não é uma simples narração
de fatos ocorridos.
O agradável nessa leitura, além
do simples sorriso, é a interpretação das personalidades
envolvidas nas histórias – muito bem selecionadas e
melhor ainda narradas. Em muitos casos, junta-se o humorismo à
saudade, num reencontro com amigos queridos.
Evanildo Bechara
Academia Brasileira de Letras
|