O VOTO NO BRASIL
Carlos Henrique Cardim
Professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais
/ Universidade de Brasília
Publicado pela primeira vez em 1989, em edição
reduzida, este livro foi lido por poucos. Agora atualizado e ampliado
para cobrir o período inicial desta nossa 6ª República, deve chegar
ao grande público, ansioso pela discussão do tema e depois de pleito
memorável que convocou às urnas mais de cem milhões de eleitores.
Aliás, ordenar os períodos republicanos em razão de nossas Constituições
é uma acertada escolha do autor, que, como Edgar Carone, segue esse
bom costume francês: a França está em sua 5ª República. Nós iniciamos,
com a eleição de Tancredo Neves, a 6ª República.
Como explica Walter Costa Porto, a obra foi escrita
em função da falta de textos sobre nossa história eleitoral. O autor
sentiu a dificuldade em sua atividade de professor da Universidade
de Brasília, em disciplinas como Direito Eleitoral, Direito Constitucional
e Direito da Cidadania. O exame procedido por Costa Porto se inicia
com nosso período colonial. As únicas eleições realizadas, então,
no país eram para a escolha dos oficiais dos Conselhos das Câmaras,
as Câmaras Municipais de agora.
Começamos, portanto, com eleições indiretas -
em dois graus - altamente censitárias, pois com exclusão dos sem
renda e com exclusão, também, das mulheres e, como se diria, sempre,
dos de profissões "mecânicas e vis". A primeira eleição geral que
se procedeu no Brasil foi em 1821, para a designação dos deputados
às Cortes de Lisboa. O processo de escolha, por demais complexo,
seguiu a fórmula determinada pela Constituição espanhola de Cadiz,
em quatro graus: juntas eleitorais de freguesia indicavam juntas
de comarca, que designavam juntas de partido, que apontavam, enfim,
os deputados.
A Constituição do Império manteve o processo eleitoral em dois graus
para eleição de deputados e senadores. Falava, quanto ao primeiro
grau, da "massa dos cidadãos ativos", e, no segundo grau, de "eleitores
de paróquia" que, na legislação posterior, nos relatos de imprensa,
denominar-se-iam de "votantes" e "eleitores". Uma Câmara dos Deputados,
temporária, e um Senado, vitalício, compunham o que a Constituição
chamava de Assembléia Geral.
Uma das afirmações de Costa Porto - que se apóia,
aí, em estudo de Beatriz Westin de Cerqueira Leite - é a de que
o Senado, instituição menos genuinamente representativa, pois que
vitalícia, resultava, na prática, "mais fiel à representatividade
das opiniões do povo". Isso porque a Câmara, pela pressão enorme
do governo nos pleitos, privilegiava sempre uma só corrente partidária
. O Senado, pela modificação tão lenta de seus quadros, a depender
somente da morte de seus integrantes, estava mais apto a garantir
o eco das parcelas minoritárias de opinião.
Reserva o autor dois capítulos para examinar
a introdução do voto distrital no Império, com as duas Leis dos
Círculos. A primeira, de 1855, aprovada pelo empenho do Marquês
de Paraná, chefe do Gabinete e para quem a reforma era "uma idéia
fixa." A segunda, de 1860, com a transformação dos círculos de um
nome em círculos de três. Quando, em nossos dias, representantes
no Congresso e grupos na sociedade propõem o sistema distrital,
ninguém recorda nossa experiência no passado. O maior problema,
então, foi o menosprezo às minorias. O autor lembra, a respeito,
a opinião de Duverger sobre a "brutalidade" do modelo distrital.
A República confirmou o voto direto, trazido,
quase ao final do Império, pela Lei Saraiva mas, com a chamada Lei
Rosa e Silva, introduziu o voto limitado e cumulativo. A fraude,
no entanto, se exerceu no período, como diz o autor, "desabusadamente".
Para erradicar os vícios da República Velha, veio a Revolução de
30, e Getúlio Vargas editou, em 1932, o primeiro de nossos Códigos
eleitorais. Três grandes novidades o marcaram: a Justiça Eleitoral,
a quem passaria a caber o julgamento das eleições, no fundo e na
forma; o voto proporcional para as assembléias; e o sufrágio feminino,
ainda facultativo.
Prevaleceram as idéias de Assis Brasil - um dos
três autores do projeto do Código - e sua sugestão de "eleições
em dois turnos simultâneos" foi, por uma reforma de 1935, simplificada,
passando-se ao modelo atual, de escolha uninominal, pelos eleitores,
a partir das listas oferecidas pelos partidos.
Dessa nossa história eleitoral, que já vai longa,
que lições a tirar, a partir desse livro de tão copiosa documentação
e tão cuidadosa análise ? Que o Brasil assistiu, como todos os outros
países, à extensão gradual dos direitos políticos de seus cidadãos.
Que foi lenta e penosa a superação dos vícios que maculavam a expressão
do voto. Que elaboramos, decerto, leis em excesso, no setor eleitoral,
em nossa intenção obsessiva de afastar, com meros textos legais,
as práticas condenáveis. Que talvez devêssemos, aí, ter sempre na
lembrança aquela admoestação do velho Pedro II, de que os maus costumes
públicos somente podem mesmo ser corrigidos pela educação constante.
O autor deste obra é, agora, Ministro do Tribunal
Superior Eleitoral. Ocupa, assim, uma posição privilegiada de magistrado
a quem incumbe, como se referiam os antigos, "a verificação e o
reconhecimento dos poderes". Terá, então, meios e estímulo para
prosseguir no exame das leis e das circunstâncias de nosso processo
eleitoral, já que é considerado, no campo, um de seus mais reputados
estudiosos.
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