O RIO DE JANEIRO IMPERIAL
Christine Ajuz
Esta obra que a Topbooks, em convênio com
a UniverCidade, devolve agora às livrarias é uma preciosidade
há mais de meio século fora do alcance dos leitores.
A paixão do engenheiro e arquiteto Adolfo Morales de los
Rios Filho (1887-1973) pelo Rio o levou a dedicar à cidade
a maior parte de seus ensaios e artigos em jornais e revistas, afora
os livros Grandjean de Montigny e a evolução da
arte brasileira e este O Rio de Janeiro imperial, publicado
em 1946, que ressurge enriquecido pelo prefácio do historiador,
poeta e diplomata Alberto da Costa e Silva.
Difícil entender como passou tanto tempo
sem reedição um dos mais completos retratos da vida
na corte no século XIX. Aliando elegância de linguagem
e profundo conhecimento do tema, nele o autor discorre sobre a evolução
urbana e o clima; as terras, bosques e rios cariocas; capoeiras,
escravos e tipos populares; a rua, o calçamento, o lixo;
saneamento e obras públicas, parques e jardins; a política
e os impostos, as casas e os aluguéis; a polícia,
os transportes, os hospitais; o trabalho e a instrução,
agricultura, comércio e indústria; a vida doméstica
e os salões cariocas; o carnaval e as procissões;
as festas e o luto, o namoro e a poesia; indumentária e costumes,
cultos e crenças; a imprensa e as artes, livrarias e museus.
Um dos capítulos mais interessantes trata
da toponímia: é uma aventura enveredar por logradouros
do tempo do Império com nomes poéticos como rua das
Belas Noites (atual das Marrecas) ou praia das Areias de Espanha
– primeira nomenclatura da praia da Lapa, que depois se afastou
do mar e transformou-se no point da boemia carioca. Existia então
a rua do Fogo e a do Piolho (dos Andradas e da Carioca), a das Flores
(de Santana), a das Violas e a dos Pescadores (Teófilo Otoni
e Visconde de Inhaúma). Dos vários nomes atribuídos
à da Quitanda o mais exótico foi Sucussarará,
mas Morales de los Rios, por pudor, não o explica, sugerindo
aos curiosos a consulta a uma obra de Melo Morais. Em homenagem
ao leitor, contamos logo: na rua clinicava um médico inglês
que, após examinar um paciente (provavelmente com hemorróidas),
aviou-lhe uma receita e recomendou, com forte sotaque britânico:
"Tome esse remédio que su c... sarará".
Também diverte a linguagem das flores,
código de comunicação entre as moças
"janeleiras" e seus pretendentes. Cotovelos apoiados em
almofadas, elas conseguiam mandar recados silenciosos: malmequer
sobre o peito sinalizava "cruéis tormentos", mas
preso aos cabelos tinha por significado "não digo o
que sinto". Quando o rapaz passava diante da janela exibindo
um botão de rosa branca estava propondo casamento, e seu
destino ficava entregue ao humor das flores. Se na resposta da donzela
aparecesse a margarida dobrada, a tradução era "estou
de acordo com os vossos sentimentos"; duas violetas, no entanto,
doíam feito punhalada: "Quero ficar solteira"...
Embora alguns detalhes relacionados a prédios
e ruas tenham mudado nos 54 anos entre o lançamento de O
Rio de Janeiro imperial e a segunda edição, a
Topbooks acatou a sugestão do prefaciador de não atualizar
as informações para preservar o sabor da época.
Assim, quando Morales de los Rios escreve, nos anos 40, sobre a
praia do Arpoador, destaca uma "estação de rádio
da repartição dos Telégrafos" demolida
quatro décadas depois. Do mesmo modo, uma das ruas apontadas
entre as mais antigas da cidade – a da Misericórdia,
aberta no século XVI e endereço da Cadeia Velha e
da Câmara dos Deputados, no terreno hoje ocupado pelo Palácio
Tiradentes – desapareceu nos anos 60 sob o governo Carlos
Lacerda.
Citado por muitos estudiosos, entre eles Gilberto
Freyre em Ingleses no Brasil, este livro nos ensina a admirar
um Rio do tempo do Onça, expressão muito usada
no Império para fazer referência ao governo de Luís
Vaía Monteiro, vulgo "o Onça". Curioso que,
já em 1726, este governador propusesse a abertura de um canal,
"desde o Boqueirão até a lagoa da Sentinela e
os mangues de São Diogo", na tentativa de acabar com
o recorrente problema das inundações da cidade –
ainda hoje um desafio para os administradores cariocas.
Excelente fonte de consulta, eis aqui um clássico
da historiografia nacional que volta às mãos dos leitores
num momento de revitalização do interesse pelo passado
da cidade, primeiro centro político, econômico e cultural
do país. E volta corrigido de certas imprecisões de
linguagem, acrescido de três cadernos de fotos e com um tratamento
gráfico à altura de sua importância. Passear
pelas páginas deste O Rio de Janeiro imperial será,
com certeza, uma experiência inesquecível.
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