O RECONHECIMENTO DO IMPÉRIO - HISTÓRIA DA DIPLOMACIA
BRASILEIRA
Acostumados
a acreditar que o grito proferido às margens do Ipiranga
tenha mudado a história do Brasil, é obrigatório
ler MANUEL DE OLIVEIRA LIMA para compreendermos que tal brado
demorou a ser ouvido na Europa. Exatamente três anos. E que,
sem tal reconhecimento, o Império brasileiro não existiria;
não seria visto como nação, e nação
nascida da vontade de um povo, de um príncipe, assim como
de homens cultos que o cercavam.
Essa obra se inscreve nas preocupações
do autor em explicar que houve três momentos para a construção
da nacionalidade brasileira: o da vinda da corte portuguesa, o da
declaração de independência e o reinado de Dom
Pedro II, todos tratados com imensa competência por pena tão
elegante quanto capaz de arrastar o leitor aos escaninhos dos acontecimentos
diplomáticos. Aí ele pinta personagens, intrigas e
bastidores, além de um cenário internacional que,
como diplomata e jornalista, Oliveira Lima conhecia melhor do que
muitos historiadores.
A preocupação com o tema
da nação dominou a historiografia europeia durante
o século XIX, dando à palavra um sentido étnico
e cultural, além de conotação política:
ela era espaço de soberania. É bom lembrar que esse
livro foi publicado pela primeira vez em 1901, depois de denso mergulho
em documentos pertencentes ao Museu Britânico ou aos arquivos
lusos, alguns deles exibidos ao final da obra. Nela, Oliveira Lima
convida o leitor a presenciar todos os trâmites que cercaram
as idas e vindas, mediadas pela Inglaterra, para o reconhecimento
da emancipação. Fazia-se necessário consolidar
a autoridade de D. Pedro I frente aos movimentos regionais, ou a
qualquer tentativa da antiga metrópole de retomar sua ex-colônia.
O pano de fundo era a luta ferrenha dos britânicos para pôr
fim ao tráfico de escravos, além da necessidade de
azeitar tratos comerciais que existiam desde 1808, e que faziam
do Brasil o seu terceiro maior mercado.
Um dos principais atores desse momento
é George Canning, ministro das Relações Exteriores,
amigo íntimo do primeiro-ministro William Pitt, por sua vez
melhor amigo de William Wilberforce, líder do movimento abolicionista.
Desfilam entre negociações diplomáticas nomes
como os de Sir Charles Stuart, o cônsul Henry Chamberlain,
o português Antonio de Saldanha da Gama, Felisberto Caldeira
Brant (encarregado de Negócios em Londres), Luiz José
de Carvalho e Melo (ministro das Relações Exteriores
do Brasil), Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa (encarregado de negócios
em Paris), o czar Alexandre I ou o estadista austríaco Klemens
von Metternich, representante da Santa Aliança. Ao final,
e ao custo de dois milhões de libras esterlinas, o Império
brasileiro comprou sua independência, pagando as dívidas
da coroa lusa com seus credores do outro lado da Mancha –
indenização que, definitivamente, desafinou o decantado
grito do Ipiranga.
A carreira diplomática de Oliveira
Lima, na Inglaterra, nos Estados Unidos e até no Japão,
levaram-no a passar a maior parte da vida fora do Brasil, convidando-o
a olhar o país de fora para dentro. Não para apequená-lo,
e sim, ao contrário, para engrandecê-lo, fazendo conexões
entre o Velho e o Novo Mundo, registrando paralelismos e revelando,
sob as luzes de Estados notoriamente desenvolvidos, as cores brasileiras.
A história e a cultura do país sublinhariam a herança
ocidental, crescendo, mestiça, no mesmo solo onde abundavam
o café e a borracha. Afinal, outro paradigma, ao se falar
em nação, era aquele da superioridade de uma sobre
as outras; e Oliveira Lima enfatizava a tolerância social
e racial, a ausência de rupturas e a capacidade de negociação,
peculiares ao Império do Brasil. Razão suficiente
para figurar não apenas em berço esplêndido,
mas entre as grandes nações do globo.
No momento em que a história política
reencontra o favor dos pesquisadores, e que o recuo da influência
marxista permite refletir sobre o indivíduo, encontramos
em O reconhecimento do Império não um texto
periférico ou uma cronologia de fatos, e sim uma história
revigorada. História fortalecida pelo estudo das contingências,
da crise, das relações de poder e conflitos delas
decorrentes. Oliveira Lima? Hoje, um renovador.
Mary Del Priore
Minhas recordações
do Oliveira Lima que conheci de perto, passando na sua casa
de Washington dias inteiros, tratado por ele como um sobrinho por
um tio, são as de um grande homem que fosse também
profundamente humano: simples sem excesso de sem cerimônia
e cordial sem exageros de afabilidade. Não nego ter ouvido
dele palavras ásperas sobre alguns de seus inimigos: Assis
Brasil, Medeiros e Albuquerque, Emílio de Menezes. Nem críticas
ao Barão do Rio Branco, a Joaquim Nabuco, a Rui Barbosa:
críticas que me escandalizavam, sendo eu, como era então,
um adolescente para quem essas três insignes figuras brasileiras
tinham alguma coisa de quase divinas. Em compensação,
dava gosto a um jovem ouvi-lo elogiar, de modo o mais rasgado, um
Machado de Assis, um Euclides da Cunha, um Dom Pedro II, um Barão
de Penedo, um Soares Brandão. Não lhe faltava capacidade
de admiração embora não lhe minguasse o espírito
crítico.
Gilberto Freyre
em Oliveira Lima, Dom Quixote gordo |