"O ANO LITERÁRIO", de Wilson
Martins
Miguel Sanches Neto
Num momento em que a crítica é
exercida majoritariamente pelos próprios escritores ou por
professores universitários (dentro e fora da academia), Wilson
Martins (1921) ocupa um lugar único em nossa vida literária.
Crítico de jornal desde 1942, com coluna semanal —
pois é na regularidade das leituras e das avaliações
que se configura o texto crítico —, Wilson Martins
é, sem nenhuma dúvida, o maior leitor da história
brasileira.
Mesmo tendo escrito ensaios fundamentais, como
os sete volumes da História da inteligência brasileira,
painel insuperável das manifestações intelectuais
do país, o que caracteriza o pensamento deste autor é
uma gramática crítica. Ele lê o Brasil de forma
metonímica, a partir dos lançamentos, sem propor estruturas
analíticas artificiais, e sim vendo em cada obra a identidade
da nação.
E este é outro diferencial de Wilson Martins.
Enquanto a grande maioria das pessoas que escrevem sobre livros
volta-se ou para autores estrangeiros ou, quando se dignam a tratar
do produtor nacional, para os modismos das metrópoles, o
nosso crítico se mantém fiel a um continuum
de manifestações culturais, confrontando a produção
do momento com nossos grandes textos, vendo-a além do breve
instante de seu surgimento.
Conhecendo a literatura brasileira com a profundidade
de um scholar e usando a linguagem própria de quem escreve
em jornal, dono de um olhar desmitificador e de um humor impiedoso,
Wilson Martins não se intimida diante de nada, e segue, na
altura de seus 84 anos, 63 deles dedicados ao ofício, sinalizando
o mar bravio de nossa vida artística e intelectual.
Finda a série de 15 volumes de seus Pontos
de vista (T.A. Queiroz – 1991-2004), que cobriu o período
de 1954 a 1999, a Topbooks passa a publicar O ano literário,
reunião de seus artigos de crítica surgidos a partir
do ano 2000. Esta nova série será um valioso complemento
das idéias deste escritor que já produziu trabalhos
definitivos sobre vários assuntos. Destacam-se, entre eles,
além desta enciclopédia sobre o Brasil que é
a História da inteligência brasileira, os dois
volumes de A crítica literária no Brasil (Francisco
Alves, 2002), verdadeiro quadro da produção no gênero
entre nós; A idéia modernista (Topbooks, 2002),
ensaio didático sobre o movimento modernista, e Um Brasil
diferente, estudos sobre o polígono racial na composição
do elemento sulino.
Em todas estas obras há sempre o desejo
de entender o país, não a partir de teorias ou ideologias
importadas, mas se valendo das idéias veiculadas no mundo
editorial, que são a mais realista tradução
de um povo. Sua informação, porém, não
se restringe aos nossos limites territoriais. Com formação
internacional, ele esbanja conhecimento em A palavra escrita
(Ática, 1996), tratado histórico sobre a presença
da linguagem no mundo civilizado.
Se a regra, em nossa tradição,
é o crítico de rodapé abandonar a difícil
carreira no meio de caminho, dando lugar ao ensaísta, distante
das questões mais latentes, Wilson Martins também
aqui é exceção. Sem nenhum projeto de interromper
suas atividades, ele continua sendo sinônimo de crítico.
Atuante e surpreendente. Destemido e audaz. Independente e informado.
Um dos poucos que escrevem não em benefício de si
próprio, mas da literatura.
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