IMACULADA é um livro com várias
e edificantes histórias. Há diferentes nexos condutores,
alguns revelando aspectos brutais da moralidade em relação
aos costumes, como a gravidez de moças solteiras de classe
média no Brasil dos anos 1960 e 1970; outros levando para
o mundo do arbítrio do governo militar, da tortura, da vida
no exílio, do banimento.
A Igreja Católica retratada aqui se torna
ator central, destacando-se pelo respeito à vida e à
justiça social. Diversos personagens se cruzam, muitas vezes
dentro de conventos. Dois deles precisaram ter paternidade e maternidade
escondidas. Motivos políticos e morais explicam tal decisão,
consciente nos dois casos, embora por razões distintas. Em
ambos os casos, a ditadura está associada a esses “enjeitados”.
A abordagem da polícia e dos militares
em relação aos suspeitos de se organizarem contra
o governo, ou contra aqueles que efetivamente conspiraram, é
narrada com realismo impressionante por DENISE ASSIS. A brutalidade
lembra tempos medievais, em que a tortura não era entendida
como desrespeito à pessoa. Tratava-se de um hábito,
uma prática usual da Igreja para fazer justiça aos
“impuros”.
Da mesma forma ela foi usada pelos donos do poder
para combater e humilhar inimigos nas masmorras. Os vários
museus da tortura espalhados pelo mundo, e ainda inexistentes no
Brasil, mostram o requinte dos instrumentos utilizados nessas práticas.
Mudaram os instrumentos, mas lá como cá a humilhação
e o ultraje foram uma constante. A guerra fria deu pretextos para
que o monstro da barbárie voltasse. Colocou-se o poder de
decidir sobre vida e morte em mãos de pessoas que não
tinham pruridos para matar, torturar e mentir.
Irmã Imaculada, uma jovem freira em um
convento de órfãos, é a personagem que inicia
a narrativa e que lhe dará um norte surpreendente. Banida,
partilha com outros brasileiros a experiência do exílio,
os sentimentos contraditórios entre ficar no exterior ou
voltar a seu país. Temos ainda aqui uma discussão
moral sobre a verdade: uma freira, em tese, não deveria mentir,
mas também não poderia contrariar dogmas fundadores
da Igreja, como virgindade e aborto.
Memórias e lembranças em forma
de ficção dão formato a este livro impactante.
A vantagem de ser ficção permite explorar espaços
que fazem refletir, de maneira mais livre, sobre as escolhas que
fazemos e sobre a força do acaso. Ao fim, temos uma história
de amor, nem sempre imaculado, mas sempre amor.
MARIA CELINA D'ARAUJO
Cientista política, professora da PUC-Rio
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