HISTÓRIA COMO HISTÓRIA DA LIBERDADE
História como história da liberdade
foi escrito em 1938, quando o mundo ocidental, às vésperas
dos horrores da Segunda Guerra, parecia guiado por forças
cegas e avassaladoras. Uma resenha publicada naquele ano sublinhava
a importância de duas convicções do autor, o
filósofo, crítico e historiador italiano Benedetto
Croce (1866-1952): a de que a evolução do homem era
marcada pela aparição constante de novas potencialidades
rumo à emancipação, e a de que a tarefa dos
historiadores é, justamente, a de apontá-las e interpretá-las,
de forma a escrever a história do homem como a história
da liberdade. Mesmo nos tempos mais sombrios e cruéis, afirmava
ele, a liberdade sempre está presente como horizonte, nos
versos dos poetas e nas idéias dos pensadores.
Croce já era então o consagrado
escritor da Estética, de 1902, obra que marcou intelectuais
como John Dewey e R. G. Collingwood, e cuja influência se
estende até os dias de hoje pela importância que atribui
à intuição no processo de criação
artística. O ato criador, para ele, é sempre de caráter
particular, expressão absoluta do gênio individual.
Por sua vez, a história, tal como a concebe, é a encarnação
individual da humanidade; da mesma forma, enxerga no liberalismo
político a personificação do individualismo
aristocrático que representa o auge da emancipação
do homem. Otto Maria Carpeaux sintetizou: “Para Croce, o liberalismo
não é um partido nem um programa, mas uma idéia-diretriz
da história”.
De filósofo do belo Croce se converteu
em intérprete do embate entre as forças morais e ideológicas
da humanidade. Em todos os aspectos de seu sistema filosófico,
mostra-se um firme defensor do individualismo, no qual identificava
a forma mais sublime da Europa do século XIX. Na última
fase de sua rica investigação intelectual, porém,
ele se concentrou numa única preocupação: a
posição da filosofia frente à história,
concebida como idéia e ação, teoria e prática
– o que resulta numa reflexão sobre os laços
entre ética e política. Croce entendia que a velha
filosofia tinha morrido, e que o moderno pensamento da humanidade
aproximava a filosofia da história – um desdobramento
das obras de Vico, Kant e Hegel – e a ética da política.
Uma de suas premissas neste livro que a Topbooks
lança agora no Brasil, em convênio com o Liberty Fund,
é que qualquer julgamento está historicamente determinado,
ou seja, decorre de uma necessidade lógica da experiência
vivida. Não se trata de simples determinismo histórico,
a doutrina segundo a qual os acontecimentos são conseqüência
necessária de um movimento dialético, numa longa cadeia
de causas e efeitos – e que, devido às idéias
de Hegel e Marx, tanta influência exerceu sobre os movimentos
sociais do século XIX. Croce está mais interessado
em aplicar uma teoria moral à escrita da história,
já que qualquer julgamento moral pressupõe a existência
dessa história.
É à atividade do historiador, portanto,
que Benedetto Croce se dedica aqui, mas na medida em que analisa
as implicações e os limites da liberdade intelectual,
e dos julgamentos feitos pelos historiadores, ele aproxima a historiografia
da reflexão ética. Ferrenho opositor do fascismo italiano,
cobra dos historiadores responsabilidade moral, rigor e engajamento.
E prega ser necessário experimentar a vida vivida pelos contemporâneos,
participar dos acontecimentos de sua época, sentir a pressão
e a agonia que produzem – porque o estudo da história
não é nem colheita nem simples compilação
de documentos: é uma preparação à ação.
Não se propõe o historiador-filósofo a moralizar
por meio de generalizações, mas a elucidar o presente
pela reconstrução e interpretação do
passado.
Aproximando a história da ética
e da política, o pensador napolitano reflete, sobretudo na
fase final de sua obra, sobre questões contemporâneas
que afligiam a Europa. É o caso de Ética e política
e Considerações morais sobre a vida política,
obras em que analisa o nacional-socialismo, o comunismo e outras
doutrinas totalitárias, rejeitando o pessimismo histórico
do relativismo e do materialismo dialético. Contrário
às vertentes apocalípticas da filosofia européia,
Croce investiga o pensamento histórico de Oswald Spengler,
para concluir afirmando sua fé na história, na moral
e no ideal de liberdade. Isso numa época em que a Europa
vivia um momento catártico, no qual se diluía a crença
numa consciência histórica. Essa crise do pensamento
e da cultura se devia, segundo Croce, à perda da consciência
relativa à missão do indivíduo, à razão
mesma de sua existência. Ele afirma que o homem é um
ser fabricado pela história – e esta se confunde, portanto,
com o próprio pensamento, em sua sede de universalidade.
Em História como história da
liberdade, o autor destaca a existência de uma identificação
lógica entre história e filosofia: síntese
entre idéia e ação, a história representa
a continuidade entre o passado, o presente e o futuro. Em outras
palavras, é a encarnação do progresso e, como
tal, é história da liberdade. Na história,
diz Croce, não há decadência que não
represente, ao mesmo tempo, a preparação e a incitação
para uma nova vida. Ela realiza, assim, a síntese entre as
oposições humanas que estabelecem os diferentes ritmos
do progresso – mesmo que haja períodos trágicos,
nos quais a liberdade e os valores da civilização
se obscureçam por completo. Concebida desta maneira, a história
é uma marcha incessante do homem rumo à conquista
da liberdade, que, por sua vez, se converte no princípio
de interpretação do desenvolvimento da história
e do ideal moral da civilização.
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