DISCURSO SOBRE O OBJETO - UMA POÉTICA DO SOCIAL
Se alguém já teve a experiência de intrigar-se com o fato de que sua vida parece obedecer à imperturbável mesmice, enquanto os jornais e a televisão lhe trazem notícias de vidas trepidantes, irrompendo um pouco por toda parte, esse alguém descobrirá aqui por que ele próprio é um dos longínquos coautores das surpresas que ocorrem na vida alheia. Ao mesmo tempo, terá a revelação do encantamento de que é cativa a humanidade por causa dos demiurgos que a constituem: os seres humanos no exercício de sua infinita ignorância.
A ignorância como ingrediente inevitável da vida coletiva é um dos temas investigados ao longo desse discurso que tem por objeto a contemporaneamente antiga pergunta de Simmel (em nome de Kant): como a sociedade é possível? Sem prejuízo do roteiro, pode-se confidenciar que ela é possível justamente porque existem obstáculos epistemológicos intransponíveis a que se saiba exaustivamente por que ela é possível. Quando não, o conhecimento relativo e fragmentário que dela se obtém altera com frequência as condições que a tornam viável.
Sim, digamos que se trata de um livro com leves insinuações irônicas; que talvez mantenha subentendidos dois ou três passos neste e naquele argumento; que busque seduzir pela sugestão de que afinal, em sociedade, tudo não passa de um jogo. É certo também que é isso um ardil, como lisonja ao leitor. Mas é bem mais do que isso.
O Discurso se opõe ao princípio de razão suficiente e à magia, a Vico e a Marx, e se opõe a qualquer forma de naturalismo que reduza a vida social a um fenômeno tão regular quanto o ciclo das estações. Na origem, nas paradas intermediárias e na fronteira do futuro da sociedade, sustenta o Discurso, encontra-se fantástica fábrica de metáforas, de surpresas e ambiguidades: a atividade poética da subjetividade humana. É do percurso que vai da intimidade de cada sujeito à construção da ordem social, com a interseção de planos e lógicas distintas, que se ocupa este Discurso sobre o objeto: uma poética do social, cuja presente edição, revista e aumentada, é enriquecida por uma nova introdução do autor, e por “Wanderley Guilherme dos Santos: ontologia e política”, lúcido e agudo ensaio de Cicero Araujo. |