CAMINHOS DO AÇÚCAR
Edson Nery da Fonseca
Professor Emérito da UnB
e autor, entre outros, de
Gilberto Freyre de A a Z (2000) e Em torno de Gilberto Freyre
(2007)
Admiro no Raul Lody o talento que ele tem para
escrever muito claramente a respeito de qualquer assunto que aborda.
Lendo este seu Caminhos do açúcar, me vi como que
transportado para a casa do meu querido Gilberto, de quem não
canso de dizer que foi a grande figura de mestre que me ficou. Lendo
os livros de Gilberto Freyre eu passei a compreender o Brasil em
todas as suas nuances. E sempre busquei aproveitar ao máximo
os momentos em que gozava de tê-lo como companhia. Homem de
acentuado sense of humour, Gilberto cultivava suas amizades
quase que com a mesma dedicação que despendia para
a elaboração de suas obras. Vivenda de Santo Antônio
de Apipucos, quanto do mundo reside nela! E quantas boas lembranças
eu guardo de lá!
Não deixa de ser com certa nostalgia
que o universo freyriano aparece neste novo livro do Raul Lody.
Por alguma razão, a forma como ele foi concebido, buscando
abarcar vários temas abordados por Freyre em obras como Nordeste,
Guia prático, histórico e sentimental da cidade do
Recife, Açúcar e Apipucos: que há num nome?,
me fez recordar o poema “Antologia”, do meu querido
Manuel Bandeira, no qual faz uma espécie de apanhado de belos
versos seus, reunindo-os no que se assemelha a um flashback instantâneo.
Nada parece escapar ao olhar perscrutador do
Raul Lody. Ele, que também teve o privilégio de conviver
com Gilberto – sua recordação do quase ritual
em torno do conhaque de pitanga é como que uma celebração
disso –, conseguiu aprender com seu mestre a amar o Recife
e as coisas de Pernambuco como só os arraigadamente recifenses
e pernambucanos conseguem, porque esse apego telúrico é
ao mesmo tempo paz e revolta, raiva e mansidão, desejo e
devoção.
Este Caminhos do açúcar
veio a lume para nos dizer que o mundo que Gilberto Freyre criou
– ou recriou, como queiram – é um mundo cuja
abrangência vai muito além das simples especulações
e dos meros traçados explicativos a respeito disto ou daquilo,
porque, como bem evidencia o seu autor, Gilberto Freyre observava
o homem que, ainda que situado no trópico, é um uomo
universale, uma vez que carrega em seus modos de comer e de
vestir, em suas maneiras de brincar e de amar e em suas buscas do
sobrenatural uma mistura de elementos que podem muito bem, respeitando
as singularidades das culturas, ser encontrados nos quatro cantos
da Terra.
É, portanto, com grande alegria
e regozijo que louvo este novo livro do Raul Lody, porque encontro
em seu autor um fiel aprendiz e seguidor desse mestre de todos nós,
que foi Gilberto Freyre, de quem sempre me esforcei por seguir-lhe
as pegadas pelas areias do tempo.
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