A MESMA COISA
Luiz Costa Lima
Poeta, crítico, ensaísta
e tradutor, Felipe Fortuna, estreante em 1986, aqui apresenta
seu quinto livro de poemas. Intitulado A Mesma Coisa, o livro
consta de três poemas. O primeiro traz o mesmo título
do livro. A ele se seguem “O Suicídio” e “Contra
a Poesia”. Os títulos, mesmo a coincidência entre
o geral e o do primeiro poema, nada têm de aleatórios.
Suas designações hão de ser entendidas como
cláusulas de uma só frase.
Se estou certo, a mesmidade do curso cumprido
é o oposto da mesmice. O livro inteiro supõe algo
assustador: a mesmice é o fantasma do mundo contemporâneo,
ameaça velada cuja liberação foi alcançada
apenas pela coragem de Alfonsina Storni, Hart Crane, Georg Trakl,
Cesare Pavese, Sylvia Plath, Paul Celan, Vladímir Maiakovski,
Serguei Iessênin. Se os nomes representam o pico liberador
da mesmice, o poema 3, em contracorrente, chama às falas
a responsável pela acusação lançada
ao mundo. Quem é a responsável pelo que se lhe acusa
senão a poesia? Qual a sua responsabilidade? Provocar “uma
saudade infinita”, suscitar porfias impossíveis:
Brigava pelas ideias maiores, e inventava
minorias.
É ela responsável, sobretudo, por
trazer o risco consigo, explicitado na segundo poema:
(...) Todo poema
toca ao menos no gatilho.
Muito haveria a dizer sobre os poemas 2 e 3.
A restrição, contudo, é sempre preferível.
Limito-me a acrescentar: a mudança que operam quanto ao primeiro
e maior poema é semelhante ao que fazem os corolários
quanto ao teorema a que se articulam. Assim como aqueles, os poemas
2 e 3 encontram no maior o seu teorema. Aqui, portanto, está
o núcleo deflagrador do livro. Ele deriva do conhecimento
do que sabe ser a regra:
O que restará de básico se a
palavra
de ordem é forjar?
Conhecimento incômodo, pois ‘forjar’,
aqui, só significa ‘falsear’, ‘ter o falso
como dado’. Ao passo que há poucas décadas a
obsessão dos poetas era com a afirmação de
um eu autêntico, a escapar do cinza anônimo da multidão
sempre igual, o poeta agora sabe que
Somos cópias. Fazemos clichês.
Vendemos a mesma ideia
simultaneamente, com permanente disfarce.
A drástica mudança não equivale
à abdicação de si próprio ou a algum
ato masoquista, senão ao reconhecimento do que mostra a face
do mundo. Pretender-se dotado de outro perfil seria repetir a fábula
do rei que se recusava a ver que estava nu. Para não o repetir,
A Mesma Coisa formula a premissa anticartesiana: se penso,
me vejo falso. É por não repetir o mascaramento midiático,
atuante em casa, na rua, no escritório, que A Mesma Coisa
expressa a luta interna que nela se trava e a que se refere o poema
de abertura:
(...) E vou
pelo caminho bifurcado, que me basta
E me provoca.
(...)
(...) precipício
arremessado ao precipício.
Saber-se em um caminho bifurcado significa saber
o que é exigido de cada um, contrariá-lo e ainda compreender
que a discordância não muda a face de nada. É
bastante, contudo, para que algo surja: a obra insubmissa.
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