A ESCOLHA RACIONAL COMO TEORIA SOCIAL E
POLÍTICA: UMA INTERPRETAÇÃO CRÍTICA
Renato Lessa
Professor titular de Teoria Política do Iuperj e da UFF
No conjunto das Ciências Sociais, a Ciência
Política, hoje, candidata-se a ocupar o segmento mais conservador.
Tal conquista não lhe parece ter sido atribuída por
sociólogos ou antropólogos, os outros habitantes do
conjunto mencionado. São movimentos no seu próprio
interior que a têm transformado em um saber rendido à
materialidade dos fatos brutos e cada vez mais distante da alucinação
originária dos filósofos da política que, como
diria James Joyce, cerravam os olhos para melhor ver as coisas.
Dois movimentos, ao longo da história
recente da disciplina, indicaram os rumos dessa virada conservadora.
Antes de tudo, em fins dos anos 50, com a auto-intitulada revolução
behaviorista, a Ciência Política estabeleceu sua ruptura
com o campo das Humanidades. David Easton fez o elogio dessa recusa
ao definir a nova forma de cientificidade: uma revolução
na coleta de dados. Séculos de metafísica, de
especulação filosófica e de imagética
variada sobre diversos mundos possíveis são suprimidos
como modos de uma pré (ou anti) cientificidade. Os fatos
governam o mundo e o que nos resta é recolhê-los diligentemente.
Mais vale uma série estatística nas mãos do
que dois filósofos políticos a voar.
A partir dos anos 80 e 90, outro passo decisivo
marcou a Ciência Política contemporânea. Trata-se,
agora, de uma ruptura com a própria tradição
das Ciências Sociais, a partir da difusão da crença
de que as instituições políticas podem ser
mais bem compreendidas se tomadas como entes autárquicos,
dotados de uma lógica irredutível a causalidades “exteriores”,
sejam elas sociais, históricas ou, muito menos, culturais.
O institucionalismo triunfante – presente nessa fixação
das instituições como o objeto por excelência
dessa nova ciência exata – fundiu-se, ainda, com um
conjunto de suposições sobre a natureza humana que
a descreve como uma máquina global de maximizações,
tal como a definiu Jon Elster.
Pois bem, institucionalismo cum escolha
racional configura um híbrido ideológico que replica
os sinais civilizatórios do tempo presente: o homem maximizador
– produto e premissa do fundamentalismo de mercado –
é tomado como chave analítica para o seu próprio
entendimento. Conhecer, portanto, é reiterar o que se vê.
O livro de Bruno Carvalho resulta de excelente
e corajosa investigação a respeito dos pressupostos
da teoria da escolha racional, fundados na postulação
de um agente humano maximizador de utilidades, uma variante especial
do homo sapiens que bem mereceria a designação
de homo choicer. A proposta de Bruno é a de investigar
os fundamentos dessa perspectiva de configuração
do social. Ao fazê-lo, revela que, mais do que (ou menos do
que) estabelecer um conjunto de hipóteses analíticas,
a escolha racional configura um desenho de mundo inóspito
a qualquer perspectiva emancipatória, fundada em suposições
mais complexas a respeito da condição humana.
Em A escolha racional como teoria social e política:
uma interpretação crítica, Bruno mostra ainda
que o predomínio conservador está longe de ser inelutável.
É fundamental exercer a crítica da escolha racional
como paradigma científico e, sobretudo, como forma de vida.
Com o livro de Bruno, temos à nossa disposição
um inestimável arsenal crítico. Depois de lê-lo,
somos restituídos à convicção de que
é tão necessária quanto viável a construção
de um saber da política, crítico e reconciliado com
a tradição das Humanidades e das Ciências Sociais.
|