DISCURSO DO SR.
JOSÉ PASTORE
Prêmio José Ermírio
de Moraes a José Mario Pereira
Academia Brasileira de Letras, 25 de junho de 2009.
Cumprimentos à mesa, ao Autor
e ao público.
Meu contato mais profundo com José
Olympio veio por meio de Fernando de Azevedo, Florestan
Fernandes, Sergio Buarque de Holanda, Lourival Gomes
Machado e Fernando Henrique Cardoso. Foram meus primeiros
professores de sociologia e de ciência política.
Faziam parte das leituras obrigatórias Gilberto
Freyre, Antonio Candido, Oliveira Vianna, Euclydes da
Cunha e o próprio Sergio, nas Raízes
do Brasil. Quem estava no pé das capas desses
livros? Livraria José Olympio Editora.
Convivi anos a fio com todos eles
mesmo porque, tornando-me professor de sociologia, passei
a indicá-los para meus alunos. Antes disso, porém,
por recomendação de meu pai, que foi professor
de português, frequentei assiduamente as páginas
de Machado de Assis, José Lins do Rego, Graciliano,
Guimarães Rosa, Mario de Andrade, Oswald de Andrade,
e o mais lido de todos, Humberto de Campos – para
citar alguns apenas. Quem estava no pé das capas?
José Olympio.
Mais tarde aprendi a saborear as
ideias de Josué Montelo, Ariano, Clarice, Drumond,
Vinicius e Lygia Fagundes Telles, tão querida
nesta Casa, e com quem tenho o prazer de conviver na
Academia Paulista de Letras. Quem estava no pé
das capas? José Olympio.
Enfim, qualquer brasileiro que tenha
entrado numa livraria, viu, em abundancia, e em todas
as áreas do saber, as produções
de José Olympio - um dos homens que mais ajudaram
a construir, preservar e consolidar a cultura no Brasil.
Por isso, fiquei feliz ao ser convidado pela família
de José Ermírio de Moraes para aqui testemunhar
a justa homenagem que é prestada a José
Mario Pereira. Lembrei-me de bons tempos de minha vida.
Se José Olympio foi o civilizador
do Brasil, José Mario é o apóstolo
da gratidão, ao reunir numa preciosa obra de
arte, as várias formas de agradecimento que todos
os brasileiros desejariam enviar ao Olimpo de José
Olympio. José Olympio – O editor e sua
Casa é um monumento de pesquisa rigorosa
envolta no mais fino trabalho gráfico. José
Mario deu ao Brasil um duplo presente: um denso conteúdo
e uma superior expressão de beleza.
Trago aqui os mais sinceros cumprimentos
da família de José Ermírio de Moraes
a José Mario Pereira, registrando que este livro
magistral haverá de sinalizar aos futuros candidatos
o padrão estabelecido pela Casa de Machado. Nem
podia ser diferente.
Trago ainda, de maneira muito especial,
o caloroso aplauso do Dr. Antônio Ermírio
de Moraes, que tem todo o interesse em apoiar projetos
que valorizam a cultura e a educação no
Brasil. Ele sente não poder estar nesta cerimônia,
mas envia um grande abraço a todos os integrantes
da Academia Brasileira de Letras, cumprimentando-os
por tão judiciosa escolha.
Muito obrigado.
José Pastore
DISCURSO DO ACADÊMICO ANTONIO
CARLOS SECCHIN
Discurso de saudação
a José Mario Pereira, ganhador, com o livro José
Olympio: O editor e sua Casa, do Prêmio Senador
José Ermírio de Moraes - 2009, proferido
pelo acadêmico Antonio Carlos Secchin, em sessão
pública da Academia Brasileira de Letras, no
dia 25 de junho de 2009.
Um prêmio, um livro, um
autor-editor
Um prêmio
O sempre lembrado empresário
e senador pernambucano José Ermírio de
Moraes – que, numa enquete promovida pela revista
IstoÉ, situou-se entre os três mais
votados como o “brasileiro do século”
na categoria “empreendedor” – honra
atualmente, com seu nome, um diploma e um prêmio.
O diploma, aprovado pelo Senado Federal em julho de
2008, é reservado a personalidade de destaque
no setor industrial. O prêmio, atribuído
por esta Academia desde 1995, elege obra que represente
“efetiva contribuição à
cultura brasileira”.
Em 2009, a Comissão, presidida
pelo acadêmico Eduardo Portella, com relatoria
do acadêmico Domício Proença Filho,
e integrada pelos acadêmicos Hélio Jaguaribe,
João de Scantimburgo e Tarcísio Padilha,
indicou para premiação, com inteira justiça,
José Olympio – O editor e sua Casa,
de José Mario Pereira, numa publicação
da Sextante Artes. Tal indicação foi acatada
por unanimidade em reunião plenária da
ABL.
Desde 1995, importantes títulos
das artes e do pensamento brasileiros foram contemplados;
o primeiro deles, A lanterna na popa, da autoria
do futuro acadêmico Roberto Campos, foi publicado
exatamente pela Topbooks, de José Mario Pereira,
o vencedor de hoje.
Coincidentemente, três outros
ganhadores do Prêmio José Ermírio
de Moraes também integram o catálogo dessa
editora: Evaldo Cabral de Melo, Wilson Martins e Bruno
Tolentino. Autores como Décio de Almeida Prado,
o futuro acadêmico Cícero Sandroni e Laura
Sandroni, Gofredo Telles Junior, Luiz Felipe de Alencastro,
Manif Zacarias, Antônio Bulhões, José
Nêumanne Pinto e Maria Lucia Pallares-Burke constituem
um referencial, ao longo do tempo, do nível de
excelência dos livros premiados.
Um livro
A primorosa edição
de José Olympio – O editor e sua Casa
é o resultado de seis anos de amorosa dedicação
– diria quase obsessão – de José
Mario Pereira, no sentido de perpetuar a memória
de um dos mais importantes editores-livreiros do país.
Saudado no lançamento por entusiásticas
resenhas de críticos como Felipe Fortuna e Wilson
Martins, além de haver merecido artigos elogiosos
dos acadêmicos Ivan Junqueira e Marcos Vilaça,
o livro, mais do que simplesmente traçar um perfil
de José Olympio, examina sua editora como pólo
de convergência da intelectualidade brasileira
num percurso de quase meio século, a partir de
1931 até o ano de 1975, deixando como legado
um total de quase 4 mil publicações, das
quais 1743 de autores brasileiros.
Escreve Ivan Junqueira que, se José
Olympio foi o inventor da profissão de editor,
José Mario é, desde já, o reinventor
de José Olympio. Salienta Marcos Vilaça
que na obra se encontra a política, a história
literária, a indústria editorial, a evolução
gráfica e a memória fotográfica
do Brasil. Felipe Fortuna destaca o papel da Casa na
consolidação de nosso modernismo. Wilson
Martins enfatiza a “magistral pesquisa de José
Mario Pereira, ele próprio editor da mesma família
espiritual [de José Olympio]”.
Não me aterei à superlativa
dimensão do editor porque provavelmente o autor
premiado o fará em seu discurso. No livro em
si, constatamos que nada do processo editorial escapou
da argúcia investigativa de José Mario,
desde, é claro, a seleção de autores,
nacionais e estrangeiros, até a arte da capa
e das ilustrações, registrando-se ainda
questões como técnicas de exposição
e de vendas de livros, contratos, noites de autógrafo,
tiragens comerciais e tiragens especiais, relações
editor/editados expressas em cartas e dedicatórias.
Documentos até então inéditos desvendam
os meandros do poder político e literário,
com toda a carga de ambiguidade que essas duas artes
– a política e a literatura – comportam
e às vezes reciprocamente cultivam.
É de se destacar, também,
a parte final do volume, que enfeixa uma série
de depoimentos e artigos nunca antes reunidos em livro,
compondo um retrato multifacetado do editor, elaborado
por mais de trinta textos de escritores que com ele
privaram. Registremos ainda a inteligente e funcional
divisão do volume em capítulos que abrigam
os grandes segmentos de publicação da
Casa, tais como a literatura moderna no Brasil, a literatura
estrangeira, a série dos Documentos Brasileiros,
o ensaio literário, o memorialismo, as grandes
coleções e a literatura infantil e juvenil.
Copiosa iconografia ilustra todos os capítulos,
repletos de verbetes que funcionam como uma espécie
de enciclopédia informal da cultura brasileira,
uma vez que as legendas que acompanham cada reprodução
de capa – e são centenas – correspondem,
a rigor, a míni-ensaios críticos e certeiros
sobre as obras e os autores em questão.
Sob qualquer ângulo que se
examine o livro – seja sob o aspecto gráfico,
conceitual, ou informativo – a conclusão
é que se trata de obra de referência, que
eleva a novo patamar o nível das publicações
acerca da edição do livro em nosso país.
Um autor-editor
Em José Mario Pereira convivem
o leitor, o autor e o editor.
O leitor obsessivo, de uma
sede de saber inesgotável, dono de vasta e multiforme
cultura, em domínios que vão do enxadrismo
às mais complexas formulações filosóficas,
abarcando ainda a literatura brasileira e universal
de hoje e do passado, a história, a religião,
a política, a antropologia, a sociologia, a música,
as artes plásticas.
O autor que não transforma
sua grande erudição em obstáculo
intransponível ao leitor; ao contrário,
produz textos fluentes e de clara argumentação,
embasados na melhor e mais atualizada bibliografia,
o que ocasiona constantes rombos no orçamento
doméstico, suportados com estoicismo por Christine
Ajuz, a esposa com quem há 25 anos José
Mario troca afetos e ideias. Escreveu dezenas de artigos
publicados na imprensa, e mais de 500 textos disseminados
em prefácios e orelhas nas Casas onde atuou –
a Nova Fronteira, a Imago, a própria Topbooks.
O editor a serviço
da cultura, e que desde os primórdios da Topbooks,
em 1990, investe em gêneros pouco rentáveis,
como a poesia e o ensaísmo, brindando-nos com
a produção de Franklin de Oliveira, Otto
Maria Carpeaux, José Paulo Paes, Adriano Espínola,
Per Johns, Luiz Costa Lima, Felipe Fortuna, Weydson
Barros Leal, Élvia Bezerra, Marcus Accioly, Mary
del Priore e Maria José de Queiroz, entre outros.
O editor que devolveu às estantes do país
a obra de Manuel Bomfim e títulos há muito
esgotados de Joaquim Nabuco, José Veríssimo,
Oliveira Lima e Gilberto Freyre; que nos enriqueceu
com a Areopagítica, de John Milton, os
Panfletos satíricos, de Swift, a Lírica,
de Dante, a Jerusalém libertada, de Torquato
Tasso. Para compor seu elenco de tradutores, dirigiu-se
a nomes do porte de Marco Lucchesi, Pedro Lyra, Jorge
Wanderley, Ivo Barroso e Leonardo Fróes. Entre
seus mais de 300 títulos publicados, constam
várias obras premiadas por esta Academia, em
diversos gêneros. Para não tornar fastidiosa
a enumeração, citarei apenas a recente
atribuição do Prêmio de Ensaios
a Machado, Rosa & Cia, de José Maurício
Gomes de Almeida. José Mario é um estrategista:
num ousado investimento, logrou transformar em best-seller
o memorialismo de Roberto Campos, com mais de cem mil
exemplares vendidos. Não se incomoda, todavia,
em fornecer livros para a lista dos menos vendidos,
desde que tal lista seja integrada por obras de mérito
literário ou relevância cultural.
É sempre tentador estabelecer
aproximações entre biógrafo e biografado,
no caso entre José e José. As semelhanças
são por demais ostensivas. Se eu me referisse
a um importante editor nascido no século XX fora
do Rio de Janeiro, mas aqui radicado desde jovem, inimigo
do sectarismo ideológico, e que publicou dezenas
de acadêmicos, de qual deles estaria falando?
De ambos, que até no nome se irmanam: um é
José Pereira, Mario; o outro igualmente é
José Pereira, Olympio.
Nomes afins, idêntica vocação.
Apesar das diferenças, os dois são tão
próximos que, ao ler as palavras com as quais
José Mario caracterizou a missão de José
Olympio – empreender uma ação civilizatória
por meio de uma editora construída “com
engenho, suor e intuição ímpar”
–, de pronto percebemos que essas palavras, do
mesmo modo, também definiriam o trabalho de José
Mario: engenho, suor e intuição ímpar.
A conjugação dos três fatores o
levou a consolidar sua própria editora. Agora,
na condição de autor, ele nos brinda com
uma grande homenagem, na figura-símbolo de José
Olympio, a todos os protagonistas da fascinante aventura
do livro no Brasil.
Parabéns, leitor, autor e
editor José Mario Pereira.
Antonio Carlos Secchin
DISCURSO DE JOSÉ MARIO
PEREIRA
Discurso de recepção
do Prêmio Senador José Ermírio de
Moraes, na Academia Brasileira de Letras, em 25 de junho
de 2009
Sr. Presidente da Academia Brasileira
de Letras, Cícero Sandroni;
Sr. Secretário-Geral, Ivan Junqueira;
Sr. José Pastore, representante da família
do senador José Ermírio de Moraes e do
grupo Votorantim;
Senhores acadêmicos; senhoras e senhores.
Aqui estou para agradecer à
Academia Brasileira de Letras e à Votorantim
o prêmio que decidiram, generosamente, conceder
a um pequeno editor pelo gesto de resgatar um pouco
da admirável história de um grande editor.
Sou especialmente grato aos integrantes da comissão
julgadora pela indicação ao Prêmio
Senador José Ermírio de Moraes do livro
que escrevi sobre José Olympio e sua editora.
Agradeço também aos acadêmicos que,
por unanimidade, validaram o parecer da ilustre comissão.
Receber da Academia este prêmio
me comove, entre outras razões, pelo fato de
ter sido esta a Casa onde fiz os primeiros amigos no
Rio de Janeiro, no já distante novembro de 1974.
Atrevo-me a dizer que a minha pesquisa sobre José
Olympio começou aqui quando, aos 16 anos, pelas
mãos de Aurélio Buarque de Holanda, tive
acesso à rica biblioteca desta instituição,
cujo diretor na época, Barbosa Lima Sobrinho,
ao perceber o quanto eu gostava de ler, fez um gesto
pelo qual serei sempre grato: assinou documento me autorizando
a pegar emprestado tudo que desejasse daquelas estantes
a que só os acadêmicos tinham livre acesso.
Quero agora recordar Aurélio
Buarque de Holanda, não o dicionarista, mas o
homem afetuoso e bom. Uma semana depois de chegar de
férias à cidade, com o pouco dinheiro
que trazia, comprei na Feira do Livro do Largo do Machado
um exemplar do Dicionário Aurélio, que
acabara de ser publicado, e rumei para esta casa de
cultura, na intenção de me entrevistar
com ele. Abordei-o na entrada do Petit Trianon, em busca
apenas de uma conversa e de um autógrafo, pois
em breve teria de voltar para o Ceará, e mestre
Aurélio se mostrou afável e acolhedor.
A certa altura, me convidou para
conhecer a biblioteca, e então subimos ao segundo
andar deste prédio, onde ele não só
me mostrou o grande salão, e alguns livros de
nossa literatura que considerava essenciais à
formação de um estudante, mas também
me apresentou às pessoas que ali trabalhavam.
Talvez para atenuar o impacto provocado pela exuberância
da biblioteca – que viria a ser para mim fonte
de pesquisa inestimável, um dos esteios da minha
vida de editor – convidou-me para o chá,
e naquela mesma tarde fiz camaradagem com Hermes Lima,
um dos espíritos mais nobres que já passaram
por esta Casa.
Minha primeira amizade intelectual
no Rio de Janeiro foi, portanto, o Dr. Aurélio,
como sempre o chamei. Pouco tempo depois, ele me convidou
a conhecer o escritório onde continuava, com
sua equipe, a aperfeiçoar o Dicionário,
um apartamento no térreo de um edifício
na Praia de Botafogo, que passei a frequentar quase
diariamente durante três semanas, ao fim das quais
deveria retornar ao Ceará. Próximo à
data da partida, fui me despedir; deu-me alguns livros
e lamentou que eu estivesse voltando, pois havia pensado
em me convidar para trabalhar com ele. Pedi-lhe algumas
horas para poder falar com meus pais, que autorizaram
minha permanência no Rio, onde passei a morar
com uma tia.
No escritório eu entrava às
8 da manhã e saía ao meio-dia, trabalhando
como datilógrafo, revisor e office-boy. Grande
parte dos livros do Dr. Aurélio estava naquele
apartamento, e quando, algum tempo depois, ele me deu
a chave, comecei a passar ali o meu tempo livre. Saído
de Quixadá, onde já tinha lido quase todos
os títulos disponíveis na pequena biblioteca
local, vi-me de uma hora para outra com acesso às
bibliotecas da ABL e do Dr. Aurélio – o
qual era, além de tudo, excelente professor.
Imaginem o alumbramento que isso representou para o
adolescente recém-chegado do interior do Ceará...
O Dr. Aurélio era homem sem
vaidades, a ponto de uma vez, diante de pergunta minha
sobre literatura estrangeira, surpreender-me com o comentário,
seguido de um pedido: “Sou homem de cultura limitada,
e você é muito perguntador; então
vai me fazer um favor. Uma das pessoas com quem mais
aprendi dará conferência hoje, na Aliança
Francesa de Botafogo. Não posso comparecer, e
gostaria que se apresentasse a ele como amigo meu. Você
vai gostar muito de conhecer o Paulo Rónai”.
Aceitei de imediato a missão, e à noite,
bem antes da hora, me coloquei à porta da Aliança
Francesa, na Rua Muniz Barreto. Fiquei atento até
identificar o conferencista que chegava em companhia
da filha mais nova, a flautista Laura.
“Dr. Paulo Rónai, estou
aqui a pedido do Dr. Aurélio, que não
pôde vir, mas lhe enviou um abraço”,
disse. Ele me olhou curioso, perguntou o meu nome, e
então me abraçou e foi me levando para
o local onde falaria sobre tradução. A
partir daquele dia, passei a frequentar também
o apartamento da Rua Décio Villares, no Bairro
Peixoto, e aprendi muito com o Dr. Paulo. Na primeira
vez que fui à sua casa, ele me fez uma série
de perguntas e me propôs um programa de leitura.
Sempre que eu voltava para devolver um livro, era sabatinado
e, em seguida, ele me emprestava outro. Foi assim que,
em mais ou menos dois anos, fiz um curso intensivo de
literatura universal que muito me ajudou a editar, mais
tarde, autores como John Milton, Dante Alighieri, Torquato
Tasso e Jonathan Swift.
Logo depois me tornei amigo do escritor
e memorialista Antonio Carlos Villaça. Dono de
prodigiosa memória, que lhe permitia não
só analisar obras literárias quanto dissertar
sobre a vida pública e privada dos escritores
brasileiros de seu tempo, foi ele quem me levou pela
primeira vez ao editor José Olympio, em princípios
de 1975. Na sede da editora, na Rua Marquês de
Olinda, pude conviver com escritores da dimensão
de Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Rachel
de Queiroz, Herman Lima, e nem de longe imaginava que
um dia seria convocado por meu amigo Marcos Pereira,
neto do editor, a escrever um livro sobre José
Olympio e a sua Casa. Publicado em junho de 2008 pela
Sextante, dos irmãos Marcos e Tomás da
Veiga Pereira, o livro, para minha alegria, veio a merecer
a honra de ser agraciado com o prêmio que a Academia
Brasileira de Letras, por delegação da
Votorantim, me entrega hoje, nesta sessão comemorativa
dos 170 anos do nascimento de Machado de Assis.
*****
Este importante prêmio leva
o nome de um grande brasileiro. Nascido em Nazaré
da Mata, sertão de Pernambuco, em 21 de janeiro
de 1900, José Ermírio de Morais, empresário
de larga visão, foi um dos precursores no campo
da assistência social: já em 1938, introduzia,
na Votorantim, o sistema de aquisição
da casa própria para os funcionários mediante
adiantamentos salariais. Em 1945, deu início
às atividades de sua Companhia Brasileira de
Alumínio, que passou a produzir essa matéria-prima
até então importada. Em 1962, candidatou-se
ao Senado, por Pernambuco, na legenda do Partido Trabalhista
Nacional em coligação com o PTB, além
de financiar a campanha de Miguel Arraes ao governo
do Estado. Ambos se elegeram.
Ministro da Agricultura de João
Goulart, em maio de 1965 foi eleito presidente do diretório
nacional do PTB, onde ficou até outubro daquele
ano, quando o Ato Institucional no 2 extinguiu os partidos
políticos. Com o surgimento do bipartidarismo,
filiou-se ao MDB, do qual foi o primeiro tesoureiro
geral. Ao morrer, em 9 de agosto de 1973, a Votorantim,
fundada em 1918, já era uma das maiores empresas
do país, com destacada atuação
em vários ramos da indústria, entre eles
o da siderurgia, da metalurgia, da produção
de cimento, papel e celulose. Sua rica biografia, escrita
pelo acadêmico João de Scantimburgo, saiu
em 1975.
Vale lembrar que o idealizador deste
prêmio foi seu filho, José Ermírio,
imediatamente apoiado pelo irmão Antonio Ermírio
– iniciativa louvável, que deveria ser
imitada por outros empresários brasileiros. Ao
instituir o Prêmio Senador José Ermírio
de Morais, a Votorantim teve por objetivo não
só louvar a memória do responsável
pela consolidação da empresa como estimular
a pesquisa e a produção de textos de relevância
cultural sobre temas nacionais.
*****
E chego agora a José Olympio
Pereira Filho, sobre quem muito já se escreveu
e ainda se escreverá, pois sua ação
civilizatória deixou marcas profundas na história
cultural do país. Nascido em 1902, na cidade
de Batatais, interior de São Paulo, começou
a trabalhar aos 15 anos na Casa Garraux, onde aprendeu
a conhecer e a amar os livros. Cordial, generoso, grande
conversador, J. O., como era chamado, publicou –
entre 1931, quando fundou a editora, e 1990, ano de
sua morte – 4.850 edições, das quais
1.743 de autores brasileiros.
Em 1934, a Livraria José Olympio
Editora se mudou para o Rio de Janeiro, instalando-se
na Rua do Ouvidor, 110, endereço que fez história
pela qualidade de seus frequentadores e dos eventos
que lá se realizaram. A partir daquele momento,
J. O. empreendeu uma revolução sem paralelo
no nosso mercado editorial. Homem vocacionado para as
grandes amizades, editou indistintamente autores novos
e consagrados: integralistas como Plínio Salgado,
Gustavo Barroso e Miguel Reale; autoritários
como Azevedo Amaral e Francisco Campos; liberais como
Afonso Arinos e Wilson Martins; socialistas de feição
democrática como Antonio Candido; comunistas
como Jorge Amado e Graciliano Ramos.
Foi também pelas mãos
de J.O. que Getúlio Vargas lançou 18 volumes
de discursos e conferências. Católicos
como Alceu Amoroso Lima e intelectuais que perderam
a fé como Anísio Teixeira e Álvaro
Lins também encontraram na Casa seu porto seguro.
O Romance de 30, com José Lins do Rego, Rachel
de Queiroz, Graciliano e José Américo
de Almeida, ganhou repercussão nacional com o
selo da editora, assim como a poesia de Cassiano Ricardo,
Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Mauro
Motta e Lêdo Ivo. E não há notícia
de veto ideológico do editor a nenhum autor,
pois o que lhe importava era a excelência literária.
A relação de José
Olympio com a Casa de Machado de Assis é singular.
Já nos primeiros anos de sua atividade, editou
escritores e ensaístas da ABL. Gustavo Barroso
com os contos de A ronda dos séculos e
Humberto de Campos com as crônicas de Os párias
estrearam em 1933, e o memorialista Rodrigo Octavio
e Alfredo Pujol, biógrafo de Machado de Assis,
no ano seguinte. Porém, quem mais o ajudou a
firmar seu negócio foi Humberto de Campos, o
qual, encantado pelo dinamismo do jovem editor, transferiu
para a Casa todos os seus livros, que à época
desfrutavam da estima dos leitores e vendiam aos milhares.
J.O. acompanhava tudo o que se passava
na Academia, de tal modo que muitas candidaturas vitoriosas
nasceram no seu gabinete da Praça 15, e mais
tarde no de Botafogo. Dos mais de 400 autores nacionais
que publicou, 78 pertenceram à ABL. Ainda assim,
ele veio pouco ao Petit Trianon: em 16 de novembro de
1967, esteve na posse do amigo e editado Guimarães
Rosa, e voltou em 6 de junho de 1972, quando o romancista
Octávio de Faria assumiu a cadeira número
27; este considerou o fato tão significativo
que, já no dia seguinte à festa, enviou-lhe
um livro com dedicatória na qual agradecia o
gesto.
Geralmente se qualifica José
Olympio como o grande editor da literatura brasileira,
mas na verdade apostou num amplo leque de assuntos:
livros didáticos, jurídicos, religiosos,
obras hoje identificadas como de auto-ajuda, os best-sellers
da época, enciclopédias, dicionários,
livros de culinária – encontra-se de tudo
no catálogo da editora. Publicou também
o melhor da literatura estrangeira: Dickens, Baudelaire,
Renan, Melville, Rousseau, Goethe, Tolstoi, Rilke, Hawthorne,
Albert Camus e Saint-Exupéry, além da
obra completa, em vários volumes, de Dostoievski.
No plano nacional, entre centenas
de títulos definitivos, a Casa foi responsável
por uma das maiores coleções já
editadas no Brasil: a “Documentos Brasileiros”,
que desde a inauguração em outubro de
1936 – com Raízes do Brasil, de
Sergio Buarque de Holanda – chegou a publicar
mais de 200 volumes, inicialmente sob a direção
de Gilberto Freyre, sucedido por Octavio Tarquínio
de Souza e Afonso Arinos de Mello Franco.
J.O. foi um inovador na edição
de livros no Brasil, tanto no que se refere à
apresentação gráfica quanto pelos
procedimentos empresariais adotados, entre eles a ousadia
nas técnicas de marketing: foi o primeiro a alugar
avião para sobrevoar o Rio com faixa de propaganda
de suas edições. Adotou o lema de Monteiro
Lobato: “Um país se faz com homens e livros”,
ao qual o ensaísta Eduardo Portella, que publicou
seu primeiro livro na Casa, ajuntou: “Um país
se faz com homens, livros e exemplos. José Olympio
é um deles”.
O bom gosto de J. O. ficou patente
ao reunir entre os colaboradores gente do naipe de Tomás
Santa Rosa, Luis Jardim, Poty, Axel de Leskoschek, Marcello
Grassmann, Antonio Bandeira, Di Cavalcanti, Oswaldo
Goeldi, Candido Portinari, Cícero Dias –
enfim, um time dos melhores artistas gráficos
da época. Também a prática do adiantamento
de direitos autorais carreou simpatia para a Casa que
acabava de fundar. Dona Maria Amélia, viúva
de Sérgio Buarque de Holanda, conta que o adiantamento
pela publicação de Raízes do
Brasil permitiu ao casal comprar a mobília
de seu apartamento na mudança de São Paulo
para o Rio.
A impressão que José
Olympio deixou em todos que o conheceram foi a de um
homem fiel aos amigos, alheio a rancores e vaidades.
Sempre que eu saía do elevador no terceiro andar
da sede da editora, via-o trabalhando no escritório,
cercado de livros. Sua porta se mantinha aberta, e ele
ali ficava por horas, silenciosamente envolvido nos
afazeres e lembranças, parecendo à vontade
no traje cotidiano: camisa branca e gravata preta afrouxada.
De fala mansa e riso afetuoso, pesado de corpo, lento
nos gestos, deixava transparecer certa melancolia no
olhar. Em várias ocasiões, sem que me
visse, pude observá-lo a consultar livros na
estante e a fazer anotações.
Muito do que José Olympio
Pereira Filho foi e fez está nesta obra, onde
pretendi traçar um retrato objetivo da variedade
e riqueza das publicações da editora,
destacando a excelência de seu padrão gráfico.
Na construção de José Olympio
– O editor e sua Casa – título
sugerido por minha mulher, Christine Ajuz, cuja valiosa
colaboração agradeço de público
–, a cada momento me surpreendia com a qualidade
e a abrangência do que ele publicou.
Durante a pesquisa, feita em grande
parte no depósito do Grupo Xerox, em Bonsucesso,
onde se encontravam os papéis da editora antes
que a família de Sérgio Henrique Gregori
os fizesse chegar à Fundação Biblioteca
Nacional, consultei todos os volumes publicados, além
de fotos e documentos raros que registram a impressionante
produção da Casa entre as décadas
de 30 e 90.
Procurei fornecer ao leitor uma seleta
do que se editou ali, seja na literatura nacional, seja
na estrangeira, onde sua contribuição
também foi notável. Ainda há muito
por fazer em relação ao excepcional acervo
da José Olympio, que eu espero em breve esteja
integralmente à disposição do pesquisador
na Biblioteca Nacional. Minha expectativa é que
este livro possa servir de estímulo ao surgimento
de outros sobre editores como Ênio Silveira, Alfredo
Machado e Jorge Zahar.
*****
Recordamos aqui um editor num tempo
em que muitos antevêem a extinção
do livro. Desde o ano 2000 se vem falando das vantagens
da leitura em suporte digital, e há quem chegue
a preconizar o desaparecimento do livro no formato atual.
Dia a dia surgem novidades tecnológicas direcionadas
para a leitura, e a última delas é o Kindle.
No entanto, embora enciclopédias e obras de referência
cada vez mais sejam editadas eletronicamente, tudo indica
que o livro impresso sobreviverá, e um dos que
acreditam nisso é Umberto Eco. Ele acaba de publicar
na Itália Não espere se livrar dos
livros, onde defende a permanência do papel
frente aos suportes digitais. A seu ver, “cabem
aos editores grandes responsabilidades nesse processo,
a primeira das quais é a busca da qualidade na
produção dos livros”.
Aqui neste salão, belamente
restaurado para a festa que ora nos reúne, ouvi
alguns dos grandes conferencistas da ABL, e dialoguei
com muitos acadêmicos que, em diferentes momentos
da minha vida, me honraram com sua amizade e incentivo,
entre eles Alceu Amoroso Lima, José Honório
Rodrigues, Antonio Houaiss, José Guilherme Merquior,
Darcy Ribeiro, Roberto Campos e Roberto Marinho, além
dos citados anteriormente. Com a memória posta
nesses amigos que já se foram, reafirmo minha
fidelidade ao mandamento de São Jerônimo:
“Que nunca o livro fique longe de tua mão
e de teus olhos”.
Em 11 de dezembro de 1987, Ênio
Silveira escreveu a José Olympio: "Você,
Octalles Marcondes e Monteiro Lobato constituem o sólido
tripé sobre o qual se assenta a indústria
brasileira do livro. Artífice do mesmo ofício,
sei do que falo, e por que falo". Na mesma carta,
o destemido editor afirmava que quem publica livros
pode prescindir de estátuas e monumentos, pois
a prova de seus méritos permanece nas obras guardadas
pelas bibliotecas, séculos afora.
“Se cheguei a ver mais longe,
foi montado em ombros de gigantes”: a frase de
Isaac Newton se tornou tão famosa que Robert
Merton, um dos fundadores da moderna sociologia americana,
dedicou um livro a rastrear suas origens. Recordo o
dito do gênio inglês não só
por entender que Machado de Assis pensava parecido como,
também, porque este é um grande exemplo
a seguir. Se quem vive no mundo das letras não
pode prescindir da obra de Machado, quem é editor
só tem a aprender com José Olympio.
Seguindo o sábio conselho
de um editado de J. O., Winston Churchill, que recomendava
brevidade em discursos comemorativos, finalizo: o livro
que escrevi representa, acima de tudo, um gesto de gratidão
à acolhida carinhosa que tive na Livraria José
Olympio Editora, desde a primeira vez que ali entrei,
há 34 anos. Lá ganhei alguns dos primeiros
títulos com que viria a formar minha biblioteca,
e fiz amigos entre funcionários e editados. Entendo
que o honroso prêmio que a Academia Brasileira
de Letras, por delegação da Votorantim,
ora me entrega é, antes de tudo, uma homenagem,
por meu intermédio, ao grande editor José
Olympio. Se este volume contribuir, minimamente que
seja, para evidenciar a minha admiração
por tudo que ele fez em prol da leitura no Brasil, me
darei por satisfeito.
Quero ainda destacar meu reconhecimento
aos amigos bibliófilos José Mindlin e
Antonio Carlos Secchin – que acaba de me emocionar
com seu discurso tão generoso; aos muitos donos
e funcionários de sebos cariocas que me ajudaram
a localizar títulos raros; à minha secretária,
Mariângela Félix; à excelente equipe
responsável pela produção da obra,
e aos muitos jornalistas e críticos que escreveram
com entusiasmo sobre este José Olympio –
O editor e sua Casa.
Agradeço, finalmente, a presença
dos que aqui vieram brindar à memória
do fundador da Academia, Machado de Assis, do senador
José Ermírio de Moraes, de José
Olympio e de todos os que fizeram a grandeza da editora
que ele fundou.
Muito obrigado.
José Mario Pereira |