PRIMEIRA FASE
ALTHUSIUS
Importante teórico do consentimento,
do contrato, do federalismo e do corporativismo, o alemão
Althusius (1557-1638) conciliou idéias bíblicas, aristotélicas
e neocalvinistas em um original sistema político, baseado
em princípios das leis natural e contratual. A recuperação
de seu pensamento se deve, sobretudo, a dois aspectos,
sintetizados na Política: sua filosofia do direito
e seu federalismo. Apesar da moldura teológica, fundada
na religião calvinista, trata-se do primeiro livro a
apresentar uma teoria abrangente do federalismo republicano,
enraizada no conceito de associação simbiótica e na
idéia do consenso.
Pensador seminal, Althusius foi resgatado
por teóricos alemães que, no século XIX, lutaram pela
unificação da Alemanha segundo princípios federativos.
Seu pensamento também foi assimilado pelos americanos,
que construíram o federalismo moderno com base no individualismo
e reintroduziram a idéia do Estado como associação política,
mais que como instituição reificada. No século XX, a
importância do autor foi observada pelo teórico liberal
alemão Carl Friedrich, que em 1932 relançou a edição
de 1614 da Política acrescentando elucidativo
prefácio sobre a vida e a obra do autor. Hoje, quando
os cientistas sociais se preocupam em investigar o problema
da liberdade em relação com a família, as comunidades
étnicas e outras formas de associação, as idéias de
Althusius sobre o constitucionalismo e a regulação filosófica
dos processos políticos voltam a ganhar atualidade.
BABBITT
Quando Democracia e Liderança
foi publicado em 1924, o crítico Herbert Read afirmou,
com justiça, que a motivação de Irving Babbitt (1865-1933)
era "o restabelecimento de padrões humanistas no lugar
das confusões utilitárias humanitárias ou românticas",
então muito em voga. O livro tornou-se um marco do pensamento
político moderno, o mais representativo do pensador
da cultura e ensaísta americano, que não deixou uma
obra extensa porque gastou grande parte da sua vida
em controvérsias públicas, contestando os valores e
convicções mais arraigados nos meios acadêmicos de sua
época e atacando filósofos como Rousseau, Francis Bacon,
Karl Marx e John Dewey.
Babbitt nunca hesitou em remar contra
a corrente dos movimentos intelectuais de seu tempo,
submetendo a exame crítico implacável todas as convicções
morais e estéticas de seus contemporâneos. Combateu
o marxismo, o freudismo, o instrumentalismo e o naturalismo.
Desdenhava o sucesso fácil e a popularidade. Já na estética,
opôs-se violentamente às diversas doutrinas que defendiam
a arte pela arte, afirmando o propósito moral e a dimensão
ética da experiência artística. Como teórico da educação,
combateu com fervor a decadência da universidade americana.
Seu diagnóstico da erosão dos padrões éticos e culturais
da América e sua defesa do autodomínio moral contra
o culto à despreocupação são temas que permanecem atuais.
BURCKHARDT
Jacob Burckhardt (1818-1897) considerava
a beleza e a liberdade os dois valores fundamentais
da existência humana, e a tentativa de estabelecer um
vínculo entre eles está presente em toda a sua obra,
sejam os textos teóricos sobre a História da Arte, sejam
as cartas escritas ao longo de quase 60 anos,
que refletem uma impressionante coesão de pensamento.
Defensor da moderação, esse historiador suíço de expressão
alemã era pessimista em relação aos grandes fenômenos
sociais de seu século: a democracia de massa, o igualitarismo
e o culto do crescimento econômico e do progresso. Filia-se,
nesse sentido, à tradição de liberalismo aristocrático
de Edmund Burke, Alexis de Tocqueville e Ortega y Gasset.
Endereçadas a alguns dos mais importantes
pensadores da sua época, entre eles Friedrich Nietzsche,
estas Cartas tratam com entusiasmo de temas que
mobilizavam os debates intelectuais nas mais diversas
áreas: arte, arquitetura, história, poesia, música,
religião. Burckhardt fez do indivíduo o centro de suas
investigações: para ele, grandes personalidades podem
alterar o rumo de épocas inteiras. Ao mesmo tempo, acreditava
que as culturas amadurecem e entram em declínio como
tudo na natureza. Daí a descrença no progresso histórico,
na contracorrente do otimismo que prevalecia na época,
e a rejeição ao sistema hegeliano, segundo o qual a
História expressa a realização de um espírito absoluto.
Sua defesa das verdadeiras e vigorosas raízes espirituais
da liberdade e seu elogio da beleza continuam na ordem
do dia.
LORD ACTON
Considerado o homem mais culto da
Inglaterra vitoriana, Lord Acton (1834-1902) fez da
defesa da liberdade uma verdadeira religião, e seus
ensaios são fundadores de uma tradição liberal no Ocidente.
Escrevendo sobre os temas mais diversos, Acton empenhou-se
em demonstrar uma linha evolutiva
da liberdade no mundo sem que esta convicção comprometa
o rigor de seu método histórico. Ele concilia a pesquisa
criteriosa dos arquivos primários com a necessidade
de uma fundamentação da História no juízo moral, mesmo
quando este juízo contraria as convicções do próprio
historiador.
É a liberdade o tema que unifica
esta abrangente Antologia, reunião de seus ensaios
mais representativos, como "A história da liberdade
na Antigüidade" e "A história da liberdade do cristianismo"
- partes de uma inacabada e ambiciosa História da
Liberdade. Lord Acton enfatizou a objetividade na
busca da verdade histórica e desempenhou papel fundamental
na transformação da historiografia inglesa em disciplina
científica, inspirada na escola alemã, e ao mesmo tempo
preocupada com o sentido da História, que reside, segundo
ele, na liberdade humana. Por sua obra e pela influência
que exerceu, é um pensador católico de suprema importância
e suas originais análises da natureza da liberdade individual
e política permanecem atuais.
POLANYI
De uma família de ilustres cientistas
na Hungria, o químico Michael Polanyi (1891-1976) experimentou
em primeira mão os horrores do totalitarismo e das
duas guerras mundiais (serviu como médico do exército
austro-húngaro na primeira), o que determinou em parte
a sua contestação a qualquer modelo social centralizado
e planificado de maneira supostamente científica. O
interesse de Polanyi pela vida política na Europa se
intensificou nos anos 30, quando a civilização tremia
ante as ameaças do futuro, e se consolidou nos anos
40, quando os europeus passaram a olhar melancolicamente
para o passado.
Os ensaios reunidos em A lógica
da liberdade (1951) representam os esforços renovados
do autor "para esclarecer a posição da liberdade em
resposta a diversas questões levantadas por nosso conturbado
período da História". Polanyi combatia a visão instrumentalista
e pragmática da ciência então em voga, por acreditar
que ela ameaçava a liberdade pública e perdia de vista
os mistérios da existência. Essa relação entre a ciência
e liberdade, entre a ideologia e a pesquisa, é o ponto
de partida dessa obra e da correspondência que Polanyi
manteve com economistas e intelectuais como F. A. Hayek,
John Maynard Keynes e T. S. Eliot.
HUME
As implicações do pensamento do escocês
David Hume (1711-1776) são unanimemente reconhecidas
como revolucionárias. Seu empirismo cético engendrou
problemas filosóficos que subverteram as correntes dominantes
do pensamento ocidental da época, influenciando os rumos
da história, da política, da demografia, da economia,
da literatura, da moral e da estética. Sua independência
o fez questionar as mais arraigadas convicções do cristianismo
e das ciências naturais de seu tempo, e até mesmo o
projeto cartesiano de conciliação entre ciência e religião
foi alvo de seus ataques.
Para se chegar a uma compreensão
correta das idéias de Hume, faz-se necessária a leitura
atenta destes Ensaios, que lançam os fundamentos
de uma filosofia prática, estreitamente ligada à vida
cotidiana. Publicados pela primeira vez em 1741, são
textos fluentes, em tom informal, dirigidos fundamentalmente
ao leitor comum, que Hume desejava atingir após o fracasso
de seu Tratado sobre a natureza humana, por acreditar
que o intercâmbio permanente entre os "homens de letras"
e os "homens do mundo" era benéfico para todos. Essa
aproximação entre filosofia e cotidiano é uma das principais
contribuições dos escritos aqui reunidos.
PASSMORE
O filósofo e cientista político John
Passmore realiza em A perfectibilidade do homem
(1970) um ambicioso balanço das diversas formas de se
interpretar os conceitos de perfeição e perfectibilidade
ao longo da História, desde os antigos gregos aos dias
atuais, passando pelo cristianismo, o Renascimento,
o Iluminismo, o anarquismo, as utopias, o comunismo
e as teorias evolucionistas do homem e da sociedade.
O autor recorre não somente a obras filosóficas e teológicas
mas também a literárias, como os romances de George
Orwell e Zamiatin.
Nascido na Austrália em 1914, Passmore
traça neste livro um panorama amplo e refinado no qual
explora as variações do conceito de perfectibilidade
do homem e as diferentes conseqüências da idéia de que
indivíduo e sociedade podem ser aperfeiçoados, aí incluídas
as conseqüências negativas - das quais o turbulento
século XX é fértil em exemplos - muitas vezes catastróficas
para as liberdades e responsabilidades individuais e
para o destino político e econômico das nações. E mostra
como a ação social e o progresso científico se tornaram
caminhos para o aperfeiçoamento do homem. Obra profunda
e incisiva, nem por isso deixa de ser acessível ao leitor
comum, por conta de sua linguagem clara e distante do
jargão acadêmico.
OAKESHOTT
Para Michael Oakeshott (1901-1990),
o desafio específico dos historiadores é deixar de lado
quaisquer preocupações de ordem prática ou ideológica
em sua abordagem do passado, pois uma das maiores ilusões
do ser humano é a crença em sistemas que nos levarão
à perfeição final numa terra prometida. Desafio extremamente
difícil, porque geralmente nosso interesse predominante
não está na História em si, mas na política retrospectiva,
e temos a tendência a transformar sistemas filosóficos
em evangelhos. Sobre a História (1983) reúne
cinco ensaios do pensador inglês que abordam temas centrais
da ciência política, como a natureza da História, o
primado da lei e a luta pelo poder inerente à condição
humana.
Oakeshott se destaca entre os filósofos
políticos modernos por ter levado até os limites do
entendimento humano suas dúvidas quanto aos fundamentos
racionais. É um equívoco, porém, classificá-lo como
cético; ao contrário, sua compreensão da liberdade decorre
do fato de acreditar que não estamos condenados a "obter
e gastar" - à "dança macabra das necessidades e satisfações"
- e que existem diferentes maneiras de respondermos
ao mundo. A original abordagem histórica deste pensador
inglês foi forjada pela leitura de Sócrates, Santo Agostinho,
Montaigne e Hobbes, mas ele não entendia os clássicos
como repositórios de conhecimentos e lições de uso prático,
e sim como introduções a modos de pensar.
MANDEVILLE
"Não pode haver dúvidas de que a
obra de Mandeville teve uma enorme circulação e levou
muitas pessoas a refletir sobre problemas importantes",
escreveu o economista F. A. Hayek a propósito de A
fábula das abelhas. Já Samuel Johnson afirmou que
a leitura de Mandeville na juventude alargou muito sua
visão das coisas. Ainda hoje, quase três séculos após
sua primeira edição, este livro ainda impressiona pelo
frescor do estilo, pela vitalidade do pensamento e por
sua interpretação original e mordaz da dinâmica social
e econômica da História.
Publicado originalmente em 1714,
A fábula das abelhas defende a tese de que vícios privados
trazem benefício público, como já sugere o subtítulo
da obra. Quando cada indivíduo trabalha tendo em vista
somente os próprios interesses, acaba contribuindo para
o bem coletivo, afirma o holandês Bernard Mandeville
(1670-1733). Daí sua rejeição a qualquer interferência
dos poderes públicos na vida social, antecipando a teoria
do laissez-faire e aproximando-se das idéias de Adam
Smith sobre a "mão invisível" do desenvolvimento econômico,
que por sua vez resultou na tese do "egoísmo ético"
da economia moderna, isto é: a de que o vício é o alicerce
da prosperidade nacional e da felicidade. Quase 300
anos depois, as teses de Mandeville continuam a alimentar
debates sobre os rumos do mundo em que vivemos.
HUMBOLDT
Friedrich Hayek classificou Wilhelm
von Humboldt (1767-1835) como "o maior filósofo da liberdade",
e Lord Acton se referiu a ele como "a figura mais importante
da Alemanha". A leitura de Os limites da ação do
Estado, publicado originalmente em 1852, ajuda a
entender por quê. Valiosa introdução ao pensamento político
liberal clássico, trata-se de um livro crucial para
o desenvolvimento do liberalismo na Europa no século
XIX. Neste livro - que teve influência decisiva sobre
outro ensaio clássico, Da Liberdade, de John
Stuart Mill - Humboldt aborda a relação entre a liberdade
e o desenvolvimento da personalidade individual, discute
a ação do Estado no cerceamento dos cidadãos e sugere
instrumentos para frear este papel limitador.
Crítico radical de qualquer forma
de intervenção estatal na vida dos cidadãos, Humboldt
parte do princípio de que todas as regulamentações governamentais
contêm algum grau de coação, o que pode levar os homens
a esperar orientação e ajuda externa em vez de buscá-las
eles próprios. A vida em comunidade é um tema central
na sua filosofia política, e é justamente em Os limites
da ação do Estado que Humboldt desenvolve seu conceito
do homem como um animal social, empenhado em progredir
e cultivar-se. Daí a crítica aos grandes Estados, pois
o autor estava convencido de que eles impediam o pleno
desenvolvimento dos indivíduos. |